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- Parágrafos: Segredos da paragrafação que nunca te contaram!
Em minha saga na pesquisa por assuntos de escrita criativa, uma das coisas que mais encontrei referências é o tal do PARÁGRAFO . Convenhamos: estruturar bem seus parágrafos, que irão preencher o corpo sólido de seus capítulos, é um objetivo, talvez um sonho, unânime de todo escritor. É triste dizer que tantos querem, mas poucos ensinam como se faz um parágrafo bem feito. Ah, ensinam, sim, parágrafos de redação do ENEM . Existem inúmeros blogs, sites, cursos, vídeos no YouTube, enfim, diversas fontes de conhecimento para você escrever lindos parágrafos... para o ENEM. Mas não estamos aqui para falar disso, estamos? É claro que não. Vamos tratar aqui de escrita criativa, de parágrafos do gênero ficção e sobretudo de parágrafos de webnovel. Se estava cansado de procurar na internet como se faz parágrafos para sua história e só encontrar referências de "como fazer um ótimo tópico frasal", aqui está uma página da Novel Brasil dedicada a desvendar essa questão para você. Para começarmos, vamos entender o que exatamente é um parágrafo. O que é um PARÁGRAFO? Quando redigimos qualquer texto, não importando o gênero que seja, geralmente iniciamos um assunto e só queremos parar de redigir quando o assunto acaba e terminamos de transmitir, para quem escrevemos, aquilo que queríamos. Isso, em forma de fala , poderia ser desde uma frase de 2 segundos até um monólogo de 15 minutos, em que uma pessoa se assustaria ao receber isso em uma mensagem de Whatsapp. Uma pesquisa feita pela Exame ( “Desculpa mandar áudio”: pesquisa mostra como o brasileiro usa o WhatsApp ) aponta que mais da metade dos brasileiros gostam de enviar e receber mensagem de voz e por incrível que pareça muitos não se importam com o tamanho. No entanto, a maioria respondeu que preferem "uma sequência de mensagens de áudio mais curtas, fracionando a história". E é daí que vem o que eu sempre digo: a língua escrita sempre reflete ao que é feito, e esperado, na língua falada. Assim como a grande maioria das pessoas esperam que uma pessoa conte uma história parte por parte enquanto fala, ao invés de enviar um único áudio contendo toda a trama por qual passou, na escrita leitores também esperam que haja fracionamento da história para que ele possa consumir. Esse tal fracionamento se dá pela aplicação de parágrafos , onde cada parágrafo conta uma parte da história. Um parágrafo é uma fração de uma história. Essa é a definição mais básica que podemos chegar, porém, se fosse tão simples sair separando o seu texto em vários parágrafos, não estaríamos aqui. A pequena dúvida ainda fica — Como separar os parágrafos? — pois ainda que se entenda a importância de se fracionar uma história em arcos, capítulos, parágrafos e frases, não lhe foi explicado como fazer. Ideias Assim que você entra na Novel Brasil e pergunta a alguém como está o seu texto, principalmente os parágrafos, vários de nossos membros vão te falar sobre a tal da ideia do parágrafo . Para quem já está acostumado com a escrita de qualquer gênero textual é um termo comum e já deve ter se deparado com o assunto. No entanto o conceito de ideia muitas vezes é apresentado de uma forma muito, mas, muito vaga, e é comum que todos apenas “empurrem com a barriga” a matéria, não se aprofundando muito no assunto. Pois bem, a primeira coisa que qualquer escritor tem que aprender sobre parágrafos é que os parágrafos devem ser escritos seguindo uma ideia central do parágrafo. Um parágrafo deve se propor a oferecer informações sobre um determinado assunto sem extrapolar ou divergir. Para a formulação de tais ideias centrais, existe um processo bem simples em 3 passos. Ao final dos 3 passos vamos obter um elemento textual chamado de tópico frasal ou período tópico . Passo 1: Identificar a ideia Não adianta você conhecer todas as teorias e ter todas as ferramentas para escrever se você simplesmente não tem ideia do que escrever . Esse talvez seja o passo mais importante. Aqui você identifica qual parte da história você vai contar, quais informações, com qual clima e tom. Pode ser uma imagem mental na sua cabeça ou um tópico do roteiro já escrito; o importante é que deve ser específico para aquele parágrafo que irá escrever. Não existe uma fórmula mágica aqui. Você deve aprender nos conceitos de narrativa quais são os próximos passos de informações que devem ser inseridas na história e em qual ordem. Uma ideia pode ser muito específica ou muito vaga, dependendo da quantidade de informações e da quantidade de palavras necessárias para apresentar tais informações. Muitas vezes é um trabalho solitário e único de cada autor a formulação de ideias de parágrafos. Deixo claro que é bem possível que você inicie com uma ideia e termine com mais de uma ou outra diferente, pois a identificação da ideia é apenas um passo inicial agora, mas deve ser revisada ao final dos 3 passos. Por ora explico que você deve ter uma imagem vívida em mente, com as cores, os sons, as vozes, o cenário, o cheiro, o sabor, os sentimentos e movimentos, tudo que for necessário para compor aquela parte da história em um parágrafo. Passo 2: Propor a ideia Assim que você identifica sobre o que irá escrever , será obrigado a pensar em como irá escrever . A proposta , ou proposição , é onde você arquiteta e planeja como a ideia central será apresentada no texto. Felizmente aqui temos uma fórmula bem simples para te auxiliar. A recomendação é que se faça uma frase contendo o locutor, a abordagem e o objeto. Locutor: é o sujeito que falará sobre o assunto da ideia, podendo ser o narrador ou um dos personagens. Abordagem: é a variação de estruturas frasais e estilos que serão utilizadas no parágrafo, podendo ser narrativo, descritivo, expositivo, persuasivo e dialógico. Objeto: é o núcleo da ideia central, geralmente um substantivo significativo do que será falado no parágrafo. Assim, podemos formar uma frase com o locutor como sujeito, a abordagem como verbo e o objeto como complemento verbal. Exemplo: Narrador descreve a casa / Personagem X expõe conceito de magia. A proposta vai conter, portanto, o mínimo necessário de informações para o nosso próximo passo. Passo 3: Escrever a ideia Nem no passo 1, nem no passo 2 você é obrigado a escrever coisa alguma. Estávamos até então dentro da sua cabeça. Claro que se você quiser fazer um planejamento todo escrito, você pode escrever o que foi feito nos passos anteriores como documentação para a sua obra. Agora no passo 3 você deve escrever uma frase que se propõe a apresentar a ideia central daquele parágrafo. Aqui você irá escrever uma frase, na própria voz do locutor já escolhido, que vai ficar escrita dentro do próprio capítulo da história. Você vai escrever o tópico frasal do parágrafo. Não há limite de tamanho, mínimo ou máximo, para um tópico frasal, muito menos regras que determinam como exatamente um tópico frasal deve ser escrito. A questão é que deve ser suficiente para apresentar a ideia e não extrapolar. Peguemos a proposta que usei de exemplo no passo anterior para simularmos a formulação de um tópico frasal: Proposta: Narrador descreve a casa. Tópico frasal: A casa era muito grande. Este curto tópico frasal já demonstra que é o narrador falando (o locutor), pois não é antecedido por travessão, que tem como núcleo do parágrafo a casa (o objeto) e que se trata de descrição (a abordagem) devido à frase conter predicativo do sujeito. A frase narrativa, a que está efetivamente escrita na obra, portanto, espelha a estrutura proposta pela ideia, possivelmente presente em uma linguagem mais fria e crua de um roteiro, mas com suas próprias palavras, estilos e vozes e detalhes adicionais próprios do texto desenvolvido. Agora vamos aprofundar mais sobre as abordagens. As Abordagens Textuais Em uma narração não há só narração Ao observar textos narrativos ou simplesmente histórias com narrador, logo nos deparamos com a “narração”, aquela parte chata da novel onde não tem as falas dos personagens, e sim o autor dando uma de sabichão. Brincadeiras à parte, o texto que fica entre uma fala e outra dos personagens é chamado comumente de narração, mas não só de narração se conta uma história. Para entendermos isso melhor, precisamos separar o que é narrativa do que é narração. A narração dentro de um texto narrativo é o produto da ação desempenhada pelo narrador: o narrador narra uma narração. No entanto, isso é um entendimento simplista. Narrar é contar os eventos ocorridos em uma história, é expor as ações dos personagens e suas reações seguindo uma ordem. Enquanto o narrador narra, o tempo daquela história se move em direção ao fim da história. Já a narrativa é o texto ou fala que resulta da narração, que vai além da simples descrição dos fatos, buscando envolver o leitor e criar uma experiência sensorial . É, portanto, a estrutura completa que engloba os elementos da narração, enriquecida por recursos literários e pela visão do autor. Mas vamos observar então a seguinte frase: “Ele atirou o objeto contra ela.” Daí podem surgir dúvidas: quem é “ele”? Quem é “ela”? Que objeto é esse? Ok, ok. Vejamos: “Roberto atirou o cubo contra Rebeca.” Ficou mais claro? Mas é claro que não! Quem é Roberto? Quem é Rebeca? E que diacho de cubo é esse e por que Roberto atirou isso contra Rebeca?! Por mais que o “relógio da história” ande, o leitor acaba não conseguindo acompanhar por falta de informações; o leitor para, enquanto a história anda . Isso está longe de ser o ideal, mas é o que chamamos de narração pura . Para solucionar isso é que se adicionam temperos à obra, pois além do contexto temos que considerar a descrição, a exposição e a persuasão, que chamaremos de abordagens . Esses são os que dão cores e tons a um texto narrativo complementando a narração. Estudar as abordagens é o principal caminho para entender sobre parágrafos. Com elas você pode construir parágrafos bem consistentes e flexíveis. Sim, flexíveis . O parágrafo flex Esse é um dos pontos principais que gostaria de explicar: um parágrafo não necessariamente é feito apenas com uma abordagem. Você pode escrever, sim, um parágrafo que apresenta apenas uma abordagem, por exemplo um parágrafo do tipo descritivo somente, mas também pode escrever um parágrafo descritivo-expositivo ou então narrativo-persuasivo, entre outros tipos, ou seja, um parágrafo pode apresentar uma ou mais abordagens . Por isso, evito tipificar parágrafos como muitos fazem, pois seria como dar um único nome a um prato montado no self-service. É sério, você não sabe o tanto de artigos, livros e guias que encontrei chamando um parágrafo de narrativo, descritivo, expositivo ou persuasivo, falando de “tipos” de parágrafos, etc., como se um parágrafo fosse apenas um ou outro. Em minha visão, um parágrafo é um prato, e lá você põe o que quiser, carne, salada, massa, arroz e um tantão de feijão. No entanto, deve-se ter cuidado que apenas uma abordagem é a principal e outras serão secundárias no mesmo parágrafo. Isto quer dizer que apenas uma abordagem vai compor o corpo principal do texto do parágrafo, por exemplo como orações principais ou tópico frasal, enquanto as outras abordagens complementam e enriquecem o teor de informações do parágrafo. Vamos pegar como exemplo parágrafos retirados de uma obra que talvez você conheça: “Estou muito confiante na minha força física. Afinal, tenho treinado com espada por dois ou três anos. Mas a confiança que tinha em mim mesmo foi quebrada. Esse ser, como se zombasse dos meus esforços, continua me perseguindo sem perder o fôlego, com o cabelo vermelho sangue voando ao vento, como se não soubesse o significado de desistir. Não importa quão longe eu vá, no instante em que relaxo, ela fecha a distância entre nós.” — Mushoku Tensei: Se Reencarnar, Viva Plenamente, escrito por Rifujin-na Magonote O primeiro parágrafo apresenta predominância persuasiva, com o narrador justificando sua autoconfiança devido a anos de treinamento, enquanto sugere (narra) uma passagem de tempo de forma implícita e prepara para uma virada emocional. Já o segundo parágrafo é essencialmente narrativo, focado na perseguição contínua, mas enriquecido por elementos descritivos, como o “cabelo vermelho sangue” do perseguidor. A narrativa dá movimento à cena, enquanto a descrição visual amplifica a tensão. Essa análise demonstra como os parágrafos mesclam abordagens, com um servindo para introduzir contexto e emoção, e o outro para conduzir a ação com detalhamento e ritmo. Funções das abordagens Dito isso, as abordagens podem desempenhar papéis diferentes em cada parágrafo: a abordagem principal , a abordagem secundária e a abordagem significativa . A abordagem principal, como dito anteriormente, compõe o corpo principal do texto de um parágrafo, fornecendo estilo e estruturas frasais. A abordagem significativa não determina obrigatoriamente o estilo do parágrafo, mas é onde se projeta a intenção do autor e adota um propósito. Intenção do autor é o que ele quer transmitir com aquele parágrafo para o leitor. Esta abordagem também é onde se propaga o significado e o motivo de existência do próprio parágrafo, e ela pode ser tanto a abordagem principal quanto a secundária. Quando a abordagem principal é também a abordagem significativa de um parágrafo, nós temos um parágrafo direto , em que o estilo do parágrafo é determinado pelo que se quer transmitir. Porém, nem sempre é assim. Quando a abordagem principal é diferente da abordagem significativa de um parágrafo, nós temos um parágrafo indireto , em que a intenção do autor se esgueira sob o estilo do parágrafo. Vamos ver um exemplo: “Ana era a personificação da elegância. Seus longos cabelos negros caíam em ondas suaves emoldurando seu rosto oval, onde se destacavam seus olhos castanhos brilhantes e um sorriso radiante. Sua pele clara e macia era realçada por um vestido azul celeste que fluía com cada passo, revelando suas curvas delicadas. Ana era a imagem da beleza natural e feminina, irradiando charme e sofisticação.” “Ana caminhava pela rua, atraindo olhares por onde passava. Seus longos cabelos negros balançavam ao ritmo de seus passos, enquanto seus olhos castanhos brilhantes observavam o mundo com curiosidade. Um sorriso radiante iluminava seu rosto oval, enquanto sua pele clara e macia era realçada pela luz do sol. O vestido azul celeste fluía com cada movimento, revelando suas curvas delicadas. Ana era a imagem da beleza natural e feminina, irradiando charme e sofisticação a cada passo.” Observe bem o tópico frasal — a primeira frase nesse caso — de cada parágrafo. O primeiro conta com verbo de estado e predicativo e o segundo com verbo de ação e objeto. Enquanto o primeiro lista as qualidades da personagem, o segundo se apoia nos movimentos para inserir as descrições entre as ações. (O cabelo se mexe, descreve o cabelo; os olhos se mexem, descreve os olhos…) Fica entendido, portanto, que no segundo parágrafo temos um parágrafo indireto, onde vemos a intenção de descrever a personagem se apoiando na estrutura da abordagem narrativa. O parágrafo indireto é como uma ilusão de ótica onde se desenha objetos que acabam formando outra imagem. Vamos ver mais um exemplo: "Com a espada reluzindo ao sol, ergui-a em desafio, movido pela necessidade de defender meu reino e meu povo." "Preciso defender meu reino e meu povo com a espada reluzindo ao sol, que ergui em desafio." Quando o locutor tenta convencer o leitor de algo, com justificativas, desculpas e motivações, temos uma persuasão, presente nos 2 exemplos acima. A diferença entre eles é se a persuasão é principal ou secundária. A primeira frase indica que a ação de erguer a espada é o núcleo da frase como sendo a oração principal e os outros elementos são secundários, portanto a narração é a abordagem principal. Isto deu ênfase à ação, e a frase busca criar a imagem vívida da cena por meio da descrição — “Com a espada reluzindo ao sol” — e persuasão — “movido pela necessidade de defender meu reino e meu povo”. De forma simples, se tivesse uma câmera filmando, ela apontaria para a espada. Já a segunda frase dá mais ênfase à motivação do personagem, tendo como núcleo da frase a necessidade que ele expõe já na oração principal, que tem uma abordagem persuasiva, e são secundárias a descrição da espada e a ação de erguê-la. Novamente, de forma simples, agora a câmera aponta para o rosto ou a nuca com um possível flashback bem rápido. Como pôde perceber, a abordagem não é uma característica de uma frase, visto que dentro de uma há essa mescla de abordagem. No entanto, o teor de cada abordagem em um parágrafo vai depender do estilo adequado para o autor transmitir o significado que quiser e como quiser. Vamos então explorar brevemente cada uma das abordagens: A narração A abordagem narrativa é a alma da ficção , pois é responsável por avançar a trama e desenvolver os personagens. Nesta abordagem, o autor utiliza principalmente a narração de eventos, ações dos personagens e diálogos para conduzir a história. Esta abordagem é distinta de todas as outras pelo simples fato de fazer o tempo da história avançar. Por falar em tempo, as abordagens narrativas são as que mais requerem a habilidade do autor com relação aos tempos e modos verbais. Espaço e POV Outros fatores importantes na narração são o espaço e o ponto de vista. O espaço é o palco onde os personagens se movem e as ações se desenrolam. Mais do que um mero cenário, o espaço na narrativa pode ser um elemento crucial para o desenvolvimento da trama e dos personagens. O ponto de vista, por sua vez, determina a perspectiva a partir da qual a história é contada. Através da escolha do narrador (primeira pessoa, terceira pessoa onisciente ou terceira pessoa limitada) e do foco narrativo (fixo, variável), o autor molda a percepção do leitor sobre os eventos e personagens. “O beco escuro era um labirinto de sombras, com lixo amontoado e ratos correndo entre os pés de Bruno. O suor escorria pela sua testa enquanto ele avançava cautelosamente, apertando a faca na mão. Um barulho metálico ecoou no silêncio, e Bruno se agachou atrás de uma caixa de lixo enferrujada. Um vulto surgiu da escuridão, empunhando um cassetete. Bruno saltou, esquivando-se do golpe e acertando um chute no estômago do bandido. O homem dobrou-se de dor, e Bruno aproveitou para desferir um golpe certeiro na têmpora. O bandido caiu no chão inconsciente. Bruno respirou fundo, e o coração batia descompassado.” No exemplo acima, percebemos perfeitamente a passagem de tempo, o espaço onde ocorre, os locais e objetos que interagiram com os personagens e o ponto de vista apresentado. Os objetos na cena não ficaram só enfeitando o cenário, como a caixa de lixo que serviu de esconderijo. Percebe-se também o ponto de vista que era limitado à do Bruno, que viu um vulto. O parágrafo em si começa com uma descrição, mas percebe-se logo se tratar de uma narração. Também há ausência de tópico frasal, que explico mais à frente o porquê. “A lua, uma bola prateada pendurada no céu noturno, observava a cena em silêncio. Sua luz pálida banhava a clareira na floresta, onde dois homens se enfrentavam em um duelo mortal. Espadas tilintando, metal contra metal, ecoavam na noite serena. O suor escorria pelas testas dos combatentes, e a respiração ofegante era o único som além do choque das espadas. A lua, testemunha impassível da violência, acompanhava cada movimento dos duelistas. Ela já havia visto incontáveis batalhas, mas essa era diferente. Havia algo mais em jogo, algo que transcendia a vida e a morte. Honra, vingança, amor, todos esses sentimentos se misturavam no ar, alimentando a fúria dos combatentes. A lua, em sua impassibilidade, não interferia. Ela apenas observava, registrando cada detalhe do duelo em sua memória lunar. Sabia que, no fim, apenas um sairia vitorioso, e que o outro seria lembrado apenas como uma sombra na história. Mas, mesmo na derrota, haveria glória, pois a lua jamais esqueceria o valor dos que lutaram até o fim.” Nesse outro exemplo temos a personificação da lua que atua como o ponto de vista apresentado. O espaço, no entanto, é um enfeite que tonaliza a atmosfera da narração, mas que não interfere nas ações dos personagens. Também nesse exemplo vemos uma passagem de tempo um tanto diferente do exemplo anterior que tinha uma sequência de ações sucessivas enquanto nesse notamos uma predominância da atemporalidade. Agora que já elucidei sobre os 3 pontos importantes a considerar em abordagem narrativa — tempo, espaço e ponto de vista —, vejamos o formato padrão de um texto narrativo. Para isso devemos conhecer a metodologia 5W, um acrônimo em inglês que representa as principais perguntas que devem ser feitas e respondidas ao investigar e relatar um fato ou situação. A Metodologia 5W (e 5WHR) O 5W é largamente utilizado no mundo corporativo como uma ferramenta eficiente para contar fatos ocorridos ou que ocorreriam (planejamento), e não seria diferente com fatos fictícios que são da nossa área. Who (Quem), What (O quê), Where (Onde), When (Quando) e Why (Por quê) são perguntas que vão abranger todo tipo de ações que ocorrem na sua história. “Fuga Através do Portal Místico Um clarão cegante irrompeu da parede de pedra, revelando um portal em forma de redemoinho azul cintilante. Lara, com o coração batendo forte no peito, agarrou a mão de seu amigo Kai e juntos mergulharam na abertura. O mundo ao redor se dissolveu em um turbilhão de cores e luzes enquanto eles caíam por um túnel cósmico. Do outro lado, um panorama épico se descortinava: uma cidade flutuante banhada por raios de sol dourados, cercada por montanhas cobertas de neve e nuvens multicoloridas. Com um estrondo surdo, eles aterrissaram em um campo florido macio. Erguendo-se, Lara e Kai se maravilharam com a beleza surreal do lugar. Mas logo, um rugido gutural os fez virar para trás. Uma criatura colossal, com escamas verdes e olhos flamejantes, avançava em sua direção.Sem tempo para hesitar, Lara sacou sua adaga mágica e Kai ergueu seu escudo de energia. O combate foi feroz, mas a bravura e a união dos amigos prevaleceram. A criatura, ferida e derrotada, recuou para as profundezas da floresta. Exaustos, mas triunfantes, Lara e Kai se sentaram na grama, respirando o ar puro e fresco daquela nova dimensão. A aventura só havia começado, mas eles estavam prontos para enfrentar qualquer desafio que viesse em seu caminho, unidos pela amizade e pela coragem.” Vamos pegar o texto simples acima, para identificarmos o 5W. O que (What): Fuga através de um portal místico para uma nova dimensão e subsequente batalha contra uma criatura monstruosa. Quem (Who): Lara e Kai, dois amigos em uma aventura. Quando (When): Momento indefinido sequencial. Onde (Where): Começa em um lugar com um portal místico, depois com uma vista de uma cidade flutuante em outra dimensão e termina em um campo florido nos arredores da cidade. Por que (Why): Para escapar de um perigo não especificado e explorar um novo mundo. Tudo que temos nos primeiros 4W (What, Who, When e Where) são descrições do que já há no texto. Perceba que Why (Por que) é uma informação deduzida. Ao se entremear as motivações, bem como reações e pensamentos dos personagens junto às descrições das ações, podemos entregar para o leitor um quadro completo do evento. Muitas vezes o porquê de algo ocorrer é mais interessante para o leitor do que o próprio ocorrido, pois na verdade qualquer história poderia ser considerada como um grande PORQUE. Também há aqueles que preferem na verdade é o COMO. Como (How): Através de um portal mágico e enfrentando a criatura em combate físico. Complementarmente ao 5W, é comum acrescentarmos o H, de How (Como), que nos diz a forma como tudo foi executado, até chegarmos no R, de Result (Resultado). Resultado (Result): Lara e Kai vencem a criatura e começam sua jornada na nova dimensão. 5W1H1R ou 5WHR dará então um panorama completo de uma cena, enquanto os parágrafos narrativos retratam momentos diferentes daquela cena. Info: o 5W1H1R conceitualmente não existe, mas é uma adaptação do 5W-2H-1R onde temos o “How much” (Quanto) adicionalmente, mas que não utilizamos, então fica apenas 1H. O negócio é tentar imaginar a cena até os mínimos detalhes para que todos os movimentos sejam, ou ao menos pareçam, plausíveis de acontecer na história. Não deixe lacunas se não for de propósito, mas também não complique demais com detalhes inúteis. Ações Internas Outra questão que não posso deixar de mencionar é que as ações nem sempre são externas ou físicas; as mudanças de humor, pensamentos e demonstração de sentimentos também são ações para serem narradas. “João caminhava pelas ruas movimentadas da cidade com a mente em um turbilhão de pensamentos. O dia havia sido cansativo e frustrante, e ele sentia uma onda de irritabilidade crescendo dentro de si. Cada passo era um esforço, cada rosto na multidão um lembrete do anonimato da vida urbana. Seu humor era como uma tempestade de verão, repentino e intenso. As cores ao seu redor pareciam mais cinzas, o barulho da cidade mais estridente. Ele apertou os punhos com força, reprimindo a vontade de gritar com o mundo. Em meio ao caos interno, um raio de esperança surgiu. A lembrança do sorriso da sua filha o atingiu como um sopro de ar fresco. Ele imaginou o rosto dela, cheio de alegria e inocência, e um sorriso involuntário se formou em seus lábios. A tempestade ainda rugia dentro dele, mas agora era acompanhada por um arco-íris de esperança. João respirou fundo, ajustando a gravata e erguendo a cabeça. Ele sabia que a vida nem sempre seria fácil, mas também sabia que tinha o amor da sua filha para guiá-lo através das tempestades.” No exemplo acima vemos um personagem em um estado contínuo: caminhando. Quando se coloca um personagem em suspensão com uma ação contínua, geralmente é uma introdução para descrições, mas nesse exemplo a narração continua no interior do personagem. Claro que há uma mescla entre as abordagens, mas percebemos a passagem de tempo dentro da psique dele enquanto o externo não sofre mudança significativa. Em suma, a abordagem narrativa é o alicerce de qualquer história, e controlar bem o seu uso é uma tarefa ardilosa para qualquer escritor; um deslize no espaço/tempo pode deslanchar uma série de drops da sua história. A descrição Ao contrário da abordagem narrativa, que deve se alinhar com os eventos da narrativa, o foco da abordagem descritiva não são as ações, tampouco as emoções. Em vez disso, as abordagens descritivas devem se concentrar em mostrar algo de forma vívida e objetiva para o leitor. Uma abordagem descritiva fornece uma experiência vibrante para o leitor por meio de linguagem vívida e descrições de algo. Para fornecer esses detalhes, o escritor deve usar uma linguagem que agrade aos cinco sentidos do leitor: visão olfato audição paladar tato Para apelar a esses sentidos, o escritor deve usar as estruturas linguísticas de descrição, envolvendo adjetivos e predicativos principalmente, que descrevam as sensações de cada um dos sentidos envolvidos. Por mais que tenha dito que não precisam focar emoções, as impressões pessoais do escritor podem acabar colaborando com o resultado final, já que as escolhas do escritor sobre quais detalhes e sob quais sentidos resolverá descrever é, sim, de natureza pessoal, e ainda mais de percepção pessoal. Por este motivo, devemos tomar um certo cuidado ao descrevermos sob uma perspectiva muito pessoal. Impressões pessoais do próprio autor é bem comum em escrita criativa, ainda mais considerando regionalismos e aspectos culturais. Muitas vezes uma descrição "normal" pode não parecer para o leitor. Por exemplo, uma simples questão de temperatura pode ser problemática tendo em vista a extensão longitudinal do Brasil, e sua variação de temperatura e sensações térmicas. Um friozinho para quem vive no norte pode ser calor para quem vive no sul . Info: Muitos autores costumam escrever obras que o enredo acontece em outros países, e por tal razão acabam erroneamente dosando características brasileiras em locais estrangeiros. Em suma, abordagens descritivas devem descrever detalhes sobre uma pessoa , um local , um objeto ou um evento . Vejamos alguns exemplos de parágrafos descritivos: Audição — Desculpe, tem um minuto? Já acabei de me arrumar. Queria saber se já tem algo que precise fazer. — Na moral, quase não dá para ouvir o que ela fala. Não tem problema ser tímida, mas compre a porra de um microfone; nem todo mundo tem o ouvido em dia. — trecho de Trabalhe! , escrito por Hiore Nesse trecho o narrador reforça a descrição auditiva através de sua impressão. É notável como ele dá importância ao descrever sobre a tonalidade da voz dela. É uma forma de descrição de personagem que nesse caso o autor decidiu por escolher o sentido da audição para caracterizá-la. Em entrevista, Hiore justificou a sua escolha: "Acho que a voz cria mais claramente a imagem de insegurança para se comunicar do que a aparência, e essa dificuldade é a característica principal que trabalho depois sobre ela". Isso não foi a única motivação que Hiore me contou. Era importante seguir a narração na "forma como o protagonista pensa". Ele complementou dizendo: "Na obra inteira eu evito falar de aparência, por que ele repara muito mais em ações, até por que ele normalmente está jogando e não olha para as pessoas". Hiore adotou então um tipo de narrador específico explicando: "O narrador age como um comentarista, que, ao invés de falar o que aconteceu, dá sua opinião. Isso, quando feito direito, aproxima o leitor do protagonista, apesar de limitar as descrições e ambientação". Isso justifica claramente a forma como o narrador narra essa história com fundamentos e empatia aplicada. E, por fim, um ótimo ingrediente adicional em uma webnovel foi colocada em prática, segundo Hiore: "Outro motivo, é para fazer ele reclamar. Uma descrição por aparência não teria nada do que reclamar, ou seja, foi em parte pela piada." Olfato Notou os fios ainda úmidos de seu cabelo branco, caindo sobre os ombros pálidos. Com uma toalha acima da cabeça, usava um vestido branco que alcançava metade dos joelhos. Permaneceu inerte ao experimentar o aroma refrescante, que exalava do corpo dela após o banho. — trecho de A Voz das Estrelas , escrito por Thalles Roberto Aqui temos a presença clássica da visão e também do olfato como focos descritivos. Dá até pra relembrar o cheirinho após o banho que sentimos outrora. Para alguns leitores, isso pode despertar sentimentos nostálgicos de momentos íntimos com alguma pessoa. Thalles me contou que o trecho "basicamente tá demonstrando uma visão mais íntima do Norman para com a Layla, levando em consideração tudo que eles passaram até então" e revelou sua intenção ao utilizar a motivação do personagem para a descrição: "A intenção meio que é mostrar o quanto ele a enxerga com mais atenção a detalhes que não enxergava antes por causa dos traumas, por aí. Também foi algo como elevar a aproximação deles nesse aspecto mais físico." Quando se utiliza narradores de primeira pessoa ou de terceira pessoa limitada, é bem comum que a descrição foque muito no que interessa para os personagens, dependendo de suas características e experiências. Também é uma forma de demonstrar o desenvolvimento dos personagens. Visão Seus olhos se arregalaram diante da visão de um céu estilhaçado, com rachaduras profundas se unindo em uma fenda luminosa de fim inalcançável. O abismo luminescente fez os céus tremerem e, então, começou a regurgitar algo que a mulher somente poderia descrever como “estrelas cadentes” que, apesar do violento nascimento, atingiam o solo com graça, abandonando a luz dourada de criação para revelar algo que a fez compreender a situação. — trecho de Re: Nascimento , escrito por Saya Já este trecho nos traz uma visão nova que não lembra praticamente em nada do que nos ocorreu no passado. Uma visão surrealista que deixa claro para o leitor que ali não era o mundo que conhecemos. A vista fantasiosa e surreal teve um papel de atiçar a imaginação do leitor, como me contou Saya: "Queria fazer com que o leitor imaginasse algo fantasioso, como realmente uma passagem pro 'outro lado'". Ele também contou sobre como foi o processo criativo: "Bom, quando eu fiz isso, foi imaginando a chegada abrupta da Menorá Áurea e da Protagonista de RN, e como eu poderia passar isso de uma forma meio ambígua e mística pra descrever melhor posteriormente nos parágrafos seguintes." Tato Vamos pegar um exemplo de múltiplos parágrafos: Acordei em um espaço estranho; aberto, cinza, sem forma ou sem vida. Um lugar neutro. O chão era uma massa uniforme de... alguma coisa, como cola ou isopor, mas não era necessariamente terra, ou um piso. Na verdade, era como se eu estivesse pisando em um pedaço molenga de marshmallow. No horizonte, nenhum sinal de nada — e quando eu digo nada, é nada mesmo — além de camadas em preto e branco, como se o céu e o vazio colidissem no infinito. — trecho de Cheaters , escrito por Kuma Fica evidente nesse trecho como o autor Kuma utilizou o sentido do tato como o recurso descritivo. Em conjunto com a visão ofereceu o detalhe importante desse ambiente, explicando que o terreno não era firme, de alguma forma bem esquisita. Seus parágrafos alternam entre descrições puramente visuais, descrições metafóricas, descrições táteis e volta para descriçoes visuais conclusivas. Por mais que sejam todos descrições, existe um foco diferente em cada um. "Bom... eu queria dar a ideia de um lugar que nem estava no nosso mundo, nem no mundo do jogo. Um espaço fora de tudo, um lugar longe de qualquer outra coisa. E através disso, passar a sensação de vazio. Algo que está lá, mas ninguém sabe, ninguém se lembra", relatou Kuma. É notável a intenção do autor ao querer descrever algo em mais de 1 parágrafo, principalmente quando aquilo é importante e não é facilmente explicável por palavras. Para resolver a questão, ele se valeu de uma referência inspiradora: "Eu tirei de uma conversa que tive com um amigo meu que sofria de depressão. Ele dizia que imaginava um mundo assim". Paladar Vamos ver por último sobre o paladar (que muita gente acha que só se usa em culinária): Hipnotizado pela agonia de ter a carne e os músculos cortados, Roan agarrou o frasco e o virou garganta abaixo. O líquido era adocicado e cítrico, criando a impressão de ter várias bolhas estourando pela língua. Porém, com o tempo, o sabor se tornou um ácido azedo que queimava a glote, ao ponto de forçá-lo a fechar os olhos e ranger os dentes. — trecho de O Invocador Sagrado , escrito por Zunnichi De um parágrafo de narração ele alternou para um parágrafo descritivo. A forma como ele utilizou a abordagem descritiva é incomum de se encontrar: com o tempo em andamento. Normalmente é característica padrão de um parágrafo de narração, mas a mescla sutil entre narração e descrição tornou possível um tipo de parágrafo assim, que é focado em descrição. Percebe-se que o intuito disso foi demonstrar a alteração gustativa pelo tempo decorrido. Então era importante que o tempo andasse. O Zunnichi me contou o queria mostrar: "Que o sabor sobrepôs às outras sensações do personagem, no caso dor, por meio de uma bebida especial". Ele também justificou a impressão que queria causar sobre a passagem do tempo: "A impressão que o líquido é mágico ou especial, por isso alterna tanto no sabor". Evento Pessoas, locais e objetos foram retratados nos parágrafos acima. Mas e o evento? Como seria um parágrafo que descreva o evento? Foi um duelo difícil, porém gratificante. Ambos lutaram bem, conheciam a movimentação básica dos duelos em realidade virtual, mas pecaram na técnica e na execução. — trecho de O Druida Lendário , escrito por Raphael Fiamoncini Uma descrição de evento se confunde bastante com uma narração resumitiva. Diferente de outros tipos de descrições, uma descrição de eventos tem um intuito de tirar um retrato de um evento que ocorreu no passado, que acabou de ocorrer no presente ou que poderia ocorrer no futuro, detalhando geralmente, mais de um aspecto. Já na narração resumitiva ocorre uma sucessão de eventos, no plural, não focando apenas em uma. Era o primeiro dia do garoto após o fim do seu tempo de treinamento. Diferente do que esperava, o trabalho era simples e precisava apenas ficar em guarda durante a tarde. Ninguém era louco o bastante de tentar entrar na área nobre para cometer crimes, afinal, era o local onde uma heroína estava sendo mantida. — trecho de Dahlia: A Garota Lunar Reencarnada , escrito por RenCmps No parágrafo acima, um pequeno retrato de um pequeno passado do personagem é apresentado. Parágrafos descritivos de evento podem tanto apresentar os aspectos de um evento importante da história como também aspectos específicos ou rotineiros de alguns personagens, locais ou objetos, tratando-se de um grande adjetivo . Enquanto que nos outros tipos os adjetivos empregados tendem a se relacionar com os 5 sentidos, aqui os adjetivos se relacionam com os eventos: um trabalho simples , um duelo difícil , uma viagem longa , uma festa incrível , uma batalha sangrenta ... Por fim, a descrição possui um papel fundamental na escrita já que é a única forma de o leitor conseguir imaginar uma cena, um personagem, um local ou um objeto. A descrição e a narração complementam um no outro e nenhum dos dois pode faltar, a ponto de confundir o leitor, ou exagerar, a ponto de engessar o leitor. A exposição O guia continha métodos tanto para encantamento quanto para formações mágicas, mas como o encantamento era o comum e não havia lugar para desenhar as formações, comecei com o padrão. Parece que quanto mais complicado fosse um feitiço, mais longo seria o tempo proferindo o cântico. Na verdade, feitiços complicadíssimos tinham que ser entoados em conjunto com formações mágicas; isso não era um problema no início, no entanto… Diz aqui que um mago habilidoso poderia usar magia sem cantá-la. É o que chamam de sem cântico ou cântico curto. — trecho de Mushouku Tensei, Rifujin na Magonote Começando com esse exemplo de Mushoku, dá para se notar as diferenças que a exposição tem em relação à narração e à descrição. A parte expositiva do texto não possui um ponto de vista ou momento definido. A exposição trata de informação pré-obtida que não possui referência no enredo da história, mas sim no worldbuilding . O guia, neste exemplo, representa algumas páginas do próprio worldbuilding. É claro que elementos do worldbuilding vão influenciar no desenvolvimento da história, senão nem faria sentido tê-los no worldbuilding, mas a questão é se um elemento é apresentado como parte da história ou se apenas influencia na história. De forma simples, um elemento do worldbuilding que é citado na história é uma exposição. A citação pode ser direta, ficando com uma estrutura parecida com a da descrição, ou pode ser indireta, com os elementos integrados à narração. De todo modo, a exposição pode abranger os seguintes tópicos principais: História e Contexto: Apresentação da Era: Através de diálogos, descrições ou datas, o autor pode situar o leitor no tempo, apresentando a era em que a história se passa. Isso pode ser feito mencionando eventos históricos relevantes, costumes da época ou até mesmo a tecnologia predominante e arquitetura. Lendas e Mitos: Histórias folclóricas, contos de fadas ou lendas podem ser contados por personagens ou narrados pelo autor, revelando a mitologia e as crenças do mundo. Profecias e Presságios: Profecias antigas ou presságios mencionados pelos personagens podem criar um clima de suspense e mistério, além de dar pistas sobre eventos futuros da história. Ruínas e Artefatos: Descrições de ruínas antigas, monumentos ou artefatos podem revelar aspectos da história passada do mundo, seus conflitos, conquistas ou civilizações perdidas. Aspectos Físicos: Paisagens Vivas: Através de descrições vívidas e sensoriais, o autor pode transportar o leitor para diferentes paisagens do mundo, seja um deserto árido, uma floresta exuberante ou uma cidade futurista. Nisso há coincidência com a descrição, mas pode ser alternado entre informações sensoriais e informações de fundo. Mapas e Cartas: A inclusão de mapas ou cartas no livro pode auxiliar na visualização da geografia do mundo e na compreensão da jornada dos personagens. Condições Climáticas: O clima pode ser utilizado para criar atmosfera e tensão na história. Tempestades, nevascas ou climas extremos podem representar desafios para os personagens ou simbolizar eventos importantes da trama. Flora e Fauna Únicas: A descrição de plantas e animais inexistentes na realidade pode despertar a curiosidade do leitor e enriquecer o mundo ficcional. Culturas e Sociedades: Tradições e Costumes: Através da descrição de costumes, festivais, rituais ou feriados, o autor pode revelar aspectos importantes da cultura das diferentes sociedades do mundo. Línguas e Dialetos: A criação de línguas ou dialetos próprios para diferentes povos ou regiões pode dar mais verossimilhança ao mundo e aprofundar a imersão do leitor. Vestimentas e Adereços: A descrição de vestimentas, penteados, adereços e outros elementos visuais pode revelar costumes, status social ou até mesmo crenças religiosas dos personagens. Comidas e Bebidas: A menção a pratos típicos, especiarias ou bebidas regionais pode contribuir para a construção da identidade cultural de um povo. Arquitetura e Construções: A descrição de diferentes estilos arquitetônicos, desde casas simples até grandiosos castelos, pode revelar o nível tecnológico, a cultura e a história das civilizações do mundo. Elementos Mágicos ou Tecnológicos: Sistemas Mágicos: O autor pode explicar as regras da magia no mundo, detalhando suas fontes, efeitos, limitações e os diferentes tipos de feitiços. Funcionamento da Tecnologia: A tecnologia futurista ou elementos mágicos complexos podem ser explicados através de diálogos entre personagens, manuais ou pesquisas realizadas pelos protagonistas. Impacto na Sociedade: O autor pode explorar como a magia ou a tecnologia impactam a vida das pessoas, influenciando a economia, a política, a cultura e até mesmo os relacionamentos entre os personagens. Criaturas e Espécies: Descrição Detalhada: Criaturas fantásticas ou animais únicos devem ser descritos com detalhes vívidos, incluindo sua aparência física, comportamento, habitat e papel no ecossistema. Comportamento e Inteligência: O autor pode explorar a inteligência, o comportamento social e as relações entre as diferentes espécies do mundo. Mitologia e Lendas: Criaturas lendárias podem estar presentes em mitos, lendas ou contos contados pelos personagens, enriquecendo o folclore do mundo. Detalhes e Coesão: Casual e Cotidiano: Muitas vezes, os detalhes mais reveladores sobre um mundo estão nas pequenas coisas. O que as pessoas comem no café da manhã? Como elas se cumprimentam? Como se locomovem? Esses detalhes aparentemente banais podem trazer vida ao mundo e torná-lo mais crível para o leitor. Mostre, Não Diga: Sempre que possível, evite a exposição direta de grandes quantidades de informações. Deixe o leitor descobrir o mundo através das ações e interações dos personagens. Por exemplo, em vez de explicar o sistema de governo em uma infodump, mostre um julgamento em tribunal, uma assembleia política ou mesmo os efeitos causados pelas ações do governo. Esses são apenas os principais, considerando que um worldbuilding pode conter inúmeros elementos. Devo explicar também que há um ledo engano entre um texto expositivo e um texto explicativo. Os dois tipos de texto podem coincidir em alguns pontos na narrativa, mas são textos com estruturas diferentes e propósitos diferentes. Enquanto o texto expositivo serve para expor ao leitor os elementos presentes no worldbuilding, o texto explicativo extrapola a exposição em direção a persuasão, isto é, informar ao leitor o que resultou do elemento estático do worldbuilding ou as possibilidades que aquele elemento pode produzir. “A Serpente das Sombras é uma criatura gigante que habita cavernas profundas. Seu corpo é coberto por escamas negras que refletem a luz, tornando-a quase invisível na escuridão. Ela se move silenciosamente e ataca com veneno paralisante, liberado tanto pelas presas quanto pela cauda. No entanto, suas escamas têm falhas em torno do pescoço, onde uma luz intensa pode cegá-la temporariamente. Para derrotá-la, seria necessário atrair a Serpente para fora da escuridão, utilizando tochas ou cristais de luz, e então desferir um golpe certeiro no ponto vulnerável antes que ela recupere a visão e ataque novamente.” É perceptível que o final do parágrafo, iniciado por “Para derrotá-la”, se trata de explicação, que persuade o leitor sobre uma possibilidade futura, um spoiler das ações dos personagens. A explicação também oferece uma ligação entre a informação exposta e o enredo, dando utilidade àquele elemento do worldbuilding. E isso faz parte da persuasão. A persuasão Assim como um texto explicativo pode ser utilizado com propósito de persuasão, como no exemplo anterior, há vários tipos de textos que podem ser utilizados para representar esta abordagem que explico por último, mas que talvez seja a abordagem mais importante de todas. Vamos tomar como ponto de partida um elemento clássico: O Discurso do Vilão . Presente em várias obras literárias, filmográficas ou animadas, O Discurso do Vilão é um representante explícito da abordagem persuasiva em obras ficcionais, pois seu objetivo principal é convencer outros personagens — e muitas vezes o próprio leitor — da validade ou justificativa das ações do vilão. Embora ele também possa conter elementos expositivos (para relatar fatos), descritivos (para ambientar ou ilustrar cenários) e narrativos (para recontar eventos), a essência persuasiva está no esforço de legitimar ou racionalizar suas motivações. Esse tipo de discurso, como também outros dessa abordagem, podem se valer de algumas técnicas persuasivas, tais como: Justificação moral ou pragmática: O vilão tenta explicar por que suas ações são necessárias ou inevitáveis, apelando à lógica, à emoção ou até a ideais distorcidos. Exemplo: Em V de Vingança, o vilão, V, explica que suas ações destrutivas visam combater um regime opressor, justificando sua violência como um mal necessário para a liberdade. Manipulação emocional: Muitos vilões tentam provocar empatia ou questionamento, justificando sua crueldade como uma resposta ao sofrimento pessoal ou injustiça. Exemplo: Em O Cavaleiro das Trevas, o Coringa manipula Batman e o público ao explicar que a sociedade é hipócrita e que qualquer um pode “quebrar” sob pressão. Tentativa de convencimento direto: Em certos casos, o vilão busca persuadir o herói a mudar de lado ou aceitar suas ideias, tornando o discurso explicitamente persuasivo. Exemplo: Darth Vader em Star Wars tenta convencer Luke Skywalker a se juntar ao lado sombrio argumentando que juntos poderiam “restaurar a ordem” na galáxia. Na verdade, Discurso do Vilão é uma mistura de abordagens com sua essência persuasiva, já que o vilão busca justificar suas ações e, de certo modo, conquistar adesão, empatia ou compreensão. Essa abordagem é crucial para humanizar vilões, tornando-os mais complexos e multifacetados, o que é um elemento central da ficção contemporânea. Mas por que a persuasão é tão importante assim em uma obra? Eu não posso só contar as lutas fodas e batalhas épicas os quais meu personagem vai enfrentar? Isso não seria o suficiente? Eu entendo o seu ponto! Lutas épicas e batalhas intensas são super emocionantes e podem definitivamente manter o leitor preso à história. Mas, aqui está o segredo: sem um propósito maior por trás delas, as lutas podem perder o impacto emocional. Quando você constrói uma trama com personagens, temas e ideias que realmente fazem o leitor pensar, as batalhas se tornam muito mais que cenas de ação — elas se tornam partes de uma jornada emocional. Então, as lutas podem até ser épicas, mas a persuasão, que leva o leitor a refletir e se conectar com os personagens, é o que realmente dá alma à história. Ela não está só nas palavras, mas nas ações e nas escolhas que os personagens fazem, e é isso que faz o leitor não só acompanhar, mas sentir cada momento. Até mesmo nos filmes de Steven Seagal, que são um exemplo extremo de ação pura, a persuasão ainda desempenha um papel, mesmo que de forma sutil. Esses filmes, como Under Siege ou Hard to Kill, são conhecidos por sua ênfase em combate físico e cenas de ação intensas, sem grandes desenvolvimentos emocionais ou temas filosóficos profundos. No entanto, mesmo nestes filmes de ação direta, a persuasão não desaparece completamente . Por exemplo, o próprio personagem de Seagal, geralmente interpretando um ex-militar ou policial com habilidades excepcionais, possui uma motivação interna que o leva a agir de forma implacável, seja por vingança, justiça ou proteção de inocentes, um exemplo clássico do romantismo moderno. Esse motivo persuasivo , ainda que simples, serve para criar um vínculo com o público , tornando o personagem mais do que apenas uma máquina de combate. A persuasão está em como o filme constrói a ideia de que o herói é o único capaz de resolver o problema, seja através de diálogos que confirmam seu caráter inabalável, seja pela exibição de sua força e habilidades que justificam sua ação. Se você olhar para a estrutura dessas histórias, mesmo sem um grande aprofundamento emocional, você vai perceber que os vilões frequentemente têm uma motivação para suas ações, e o herói, por sua vez, enfrenta essas ameaças de forma justificada e com intenção moral. Não é apenas sobre lutas, mas sobre convencer o espectador de que essas batalhas valem a pena e que, de alguma forma, há uma razão para que o herói esteja fazendo o que faz. Acho que, no fim, a persuasão é o que transforma a história em algo mais que apenas ação — ela faz com que o leitor leve a história para casa, pensando sobre ela muito tempo depois de terminar o livro! Após esse longo discurso persuasivo meu para te convencer a trabalhar com persuasão em tuas obras, vamos à exposição das principais técnicas utilizadas na abordagem persuasiva: 1. Apelo à Lógica (Logos) Personagens apresentam raciocínios ou explicações racionais para convencer outros. “Quando você elimina o impossível, o que sobra, por mais improvável que seja, deve ser a verdade.” — Sherlock Holmes em O Cão dos Baskervilles de Arthur Conan Doyle Holmes convence Watson e os leitores com deduções imbatíveis, baseadas em fatos e lógica. 2. Apelo à Emoção (Pathos) Explora sentimentos do interlocutor ou público, como compaixão, raiva ou medo. “Roubei por fome, e a prisão me fez pior do que um ladrão. O que mais um homem pode ser quando o mundo o rejeita?” — Jean Valjean, em Os Miseráveis, de Victor Hugo, ao apelar para o bispo que o acolheu Esse apelo à empatia e compaixão desarma tanto o bispo quanto o leitor. 3. Apelo à Credibilidade (Ethos) O personagem utiliza sua autoridade ou reputação para persuadir. “Minhas credenciais como bruxo já foram questionadas antes, e cada vez elas foram comprovadas. Pergunto novamente: estamos aqui para fazer justiça ou manter aparências?” — Dumbledore em Harry Potter e a Ordem da Fênix, de J.K. Rowling, ao confrontar a Suprema Corte dos Bruxos Dumbledore reforça sua posição como uma figura confiável e moralmente íntegra. 4. Repetição Reiterar palavras ou ideias para fixar conceitos. “Guerra é Paz. Liberdade é Escravidão. Ignorância é Força.” — em 1984, de George Orwell Essas frases repetidas condicionam os cidadãos de Oceania a aceitar a ideologia do partido. 5. Perguntas Retóricas Questões que instigam o público sem exigir resposta direta. “Ser ou não ser, eis a questão.” — em Hamlet, de William Shakespeare Hamlet não espera uma resposta, mas provoca reflexão profunda sobre a existência. 6. Comparação ou Analogia Relacionar ideias complexas com conceitos familiares. “Os homens ocupam muito espaço porque se acham importantes, como baobás num pequeno planeta.” — em O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry O autor usa a comparação com baobás para ilustrar os efeitos negativos do ego humano. 7. Generalização Apresenta afirmações amplas que soam como verdades universais. “Todo homem tem algo que teme, e o que nos une é a certeza de que o medo está sempre à espreita.” — em Drácula, de Bram Stoker Drácula usa essa generalização para justificar sua dominação sobre os humanos. 8. Apelo ao Medo ou Urgência Criar senso de perigo para motivar ações. “Se o Um Anel cair nas mãos de Sauron, toda a Terra-média estará condenada. Não há tempo a perder.” — em O Senhor dos Anéis, de J.R.R. Tolkien, Gandalf alerta Frodo Esse apelo cria urgência e motiva Frodo a assumir a missão. 9. Uso de Evidências ou Testemunhos Apresentar fatos ou relatos concretos para convencer. “Olhe para mim: fui feito por suas mãos, moldado para ser rejeitado. Nenhuma criatura foi tão abandonada por seu criador.” — em Frankenstein, de Mary Shelley, o monstro justifica sua raiva O monstro usa evidências de sua existência como prova para culpar Victor. 10. Apelo à Tradição ou Valores Culturais Evocar princípios fundamentais para justificar decisões. “Os Starks governam o Norte por gerações porque acreditamos na honra acima de tudo. É isso que nos mantém unidos.” — em A Guerra dos Tronos, de George R.R. Martin, Ned Stark Ned reforça valores tradicionais como justificativa para sua liderança. 11. Inversão de Culpa ou Vitimização Deslocar a culpa para terceiros ou assumir o papel de vítima. “Eu não quebrei Daisy; foi Tom que a tornou amarga. Eu só tentei salvá-la.” — em O Grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald, Gatsby explica Gatsby usa essa técnica para justificar sua obsessão por Daisy e ganhar simpatia. 12. Uso de Paradoxos ou Contradições Propor ideias aparentemente contraditórias para gerar reflexão. “Às vezes é preciso correr para permanecer no mesmo lugar.” — em Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, o Chapeleiro Maluco afirma Esse paradoxo força Alice (e o leitor) a repensar as convenções. 13. Histórias e Exemplos Narrativos Contar uma história para ilustrar ou reforçar um ponto. “Naquela noite, o mercador soube que o perdão era a única saída, pois a vingança jamais saciaria sua dor.” — em As Mil e Uma Noites, Xerazade convence o rei com suas histórias Suas narrativas criam impacto emocional e levam o rei a repensar seus atos. 14. Justificação Narrativa Pequenos apelos lógicos ou emocionais, também podendo ser chamada de micropersuasão, que conecta ação do personagem ao enredo. “Elizabeth sabia que sua recusa era imprudente, talvez até cruel, mas sua dignidade não permitiria outra resposta a alguém tão presunçoso quanto Mr. Darcy.” — em Orgulho e Preconceito, de Jane Austen O narrador justifica as ações de Elizabeth, moldando a percepção do leitor para aceitá-las como legítimas, apesar das possíveis consequências negativas. A justificação narrativa trabalha nos detalhes para moldar a percepção do leitor sobre a coesão narrativa. E agora eu que te pergunto: de onde é que você vai tirar as ideias que serão aplicadas nesses trechos persuasivos? A resposta está em outra matéria, a qual você já pode ter tido contato ou não: tema, temática e mensagem. São conceitos interligados, mas com diferenças sutis, que desempenham um papel fundamental na construção de qualquer obra literária. Tema é o assunto central da obra, o tópico sobre o qual a narrativa gira. Pode ser algo amplo, como “amizade”, “justiça”, “poder” ou “liberdade”, que se desdobram ao longo da história. O tema define o campo de exploração das ideias da obra. Temática refere-se à maneira como o tema é tratado ou abordado na obra. É o conjunto de tópicos, questões e perspectivas que a obra oferece sobre o tema. Enquanto o tema é o núcleo, a temática é a forma como esse núcleo é desenvolvido ao longo da narrativa. Mensagem é a conclusão ou o ensinamento que a obra tenta transmitir ao seu público. Ela é frequentemente um reflexo da postura do autor em relação ao tema ou à temática e pode ser explícita ou implícita. No contexto da abordagem persuasiva, a mensagem busca influenciar ou mudar a opinião do leitor sobre algo. Em relação à abordagem persuasiva, esses três conceitos se interconectam. A obra utiliza a abordagem persuasiva para comunicar uma mensagem específica sobre seu tema ou temática de maneira que o autor busca influenciar ou convencer o público de um ponto de vista ao longo da história, seja em diálogos, monólogos ou através da construção da narrativa, reforçando um argumento moral, ético ou prático relacionado ao tema. Em resumo, o autor usa a abordagem persuasiva para entregar a mensagem sobre a temática e, por meio disso, expressar o tema central da obra de maneira eficaz. O diálogo Eu sei que disse que a abordagem persuasiva seria o último, mas eu não poderia deixar de mencionar sobre a abordagem dialógica, ou a abordagem por diálogo. A grosso modo, o diálogo entre os personagens por si só pode ser considerado uma abordagem dialógica, podendo conter em suas falas todas as outras abordagens, a narrativa, a descritiva, a expositiva e a persuasiva. No entanto, a abordagem dialógica é caracterizada pela troca de ideias, reflexões e questionamentos entre os personagens, frequentemente usando o diálogo como a principal ferramenta de desenvolvimento de enredo e interação. Ao contrário de outras abordagens, como a narrativa, onde o foco está na história e nos eventos que se desenrolam, ou a descritiva, que prioriza a ambientação e os detalhes, a abordagem dialógica centra-se nas relações entre personagens, suas interações verbais e, muitas vezes, nos conflitos ideológicos que surgem durante essas trocas. Há um papel fundamental na qual o diálogo é imprescindível em qualquer história: a comunicação . Assim como o autor se comunica com o leitor através da história, isso ocorre também entre os personagens. E a comunicação por si só pode se tornar uma força motriz para os eventos do enredo . Sim, uma fala ou uma conversa pode desencadear uma sequência de ações dos personagens. Vamos ver como isso funciona: — Então, seguimos com o plano. Atacamos a torre ao amanhecer. — Espere, você não sabe de tudo. A torre é uma armadilha. — O quê? Como assim? — Descobri que eles esperam por nós. Há explosivos no caminho. Se formos agora, não sairemos vivos. — Por que você não disse isso antes? — Eu precisava ter certeza. Ouvi dizer que há outra entrada, pelos túneis. É nossa única chance. — Túneis? Certo, vamos mudar o plano. Mostre o caminho. No exemplo acima, o segundo personagem tinha uma informação que só poderia ser revelada pelo diálogo. Mesmo que tentasse escrever este trecho na forma de narração, ainda teria um diálogo em forma de discurso indireto. — Por que você não atende mais minhas ligações? O que está acontecendo? — Porque eu precisava de tempo para pensar, só isso. — Pensar sobre o quê? Achei que estávamos bem. — Eu não podia continuar escondendo isso de você. Não é justo. — Escondendo o quê? — Lembra daquela noite em que você estava preso no trabalho? Eu… encontrei o Lucas. — Lucas? Você me disse que ele tinha ido embora. — Ele voltou, e eu… percebi que ainda sinto algo por ele. — Então, é isso? Você vai desistir de nós por alguém do seu passado? — Eu não sei. É isso que eu estava tentando entender. Mas precisava ser honesta com você. Já nesse trecho o que mudou após o diálogo é a relação entre os dois personagens. Veja bem, ultimamente tenho notado muitos perfis de fofoca no Tiktok que se dividem em 2 formatos: Apenas derramam opiniões acerca de um assunto com conteúdo totalmente original. Mesclam opiniões com gravações e evidências editadas. Eu fico é puto com o 1º formato! Ele não mostra nada do que aconteceu. É tudo de forma indireta apenas pelas conclusões de quem opina. Eu prefiro muito mais fofocas que incluam conteúdos do próprio assunto, como prints, posts e gravações para que eu possa testemunhar com meus próprios olhos e ouvidos. Eu creio que todo mundo odeia a meia fofoca, então por que faríamos isso na escrita? Vamos ver agora essa diferença: Narração: Ele o consolou. Diálogo: — Eu sei que dói, mas você não pode deixar isso consumir você. — Não entende, é como se nada mais importasse. — Importa, sim. Lembra de tudo que você já conquistou? Você é mais forte do que isso. — Eu me sino perdido. — Então deixa que eu te ajude a encontrar o caminho. Você não precisa enfrentar isso sozinho. É mais longo e toma mais tempo do leitor? Sim. Mas veja a diferença que a escolha pela abordagem dialógica do que a narrativa faz. Portanto, a abordagem dialógica é única por sua ênfase na interação verbal e na troca de perspectivas, usando o diálogo não apenas como ferramenta de comunicação, mas como motor para o desenvolvimento das ideias e dos conflitos internos dos personagens. Ela se diferencia de outras abordagens pela maneira como transforma a fala em um espaço de reflexão e de construção de significado, ao invés de apenas uma forma de relatar ou descrever eventos, apesar de poder inseri-los nas falas. Diálogos em narrativas servem a múltiplos propósitos, que podem ser agrupados em funções principais. Essas funções são mais 10 motivos que vou te dar para você inserir diálogos em sua trama. 1. Revelação de Personagem Objetivo: Mostrar quem são os personagens por meio de suas falas, atitudes e interações. Características: Uso de padrões de fala, gírias, tons emocionais, ou informações implícitas. Exemplo: Em Orgulho e Preconceito de Jane Austen, Elizabeth Bennet e Mr. Darcy revelam suas personalidades por meio de diálogos tensos e cheios de subtexto. 2. Avanço da Trama Objetivo: Fazer o enredo progredir, seja revelando informações cruciais ou introduzindo conflitos. Características: O diálogo frequentemente contém elementos expositivos ou ações implícitas que mudam o curso da narrativa. Exemplo: Em Harry Potter e a Pedra Filosofal, Hagrid explica a Harry sobre sua origem como bruxo, avançando o enredo para o ingresso no mundo mágico. 3. Criação de Conflito ou Tensão Objetivo: Gerar drama ou tensão emocional entre personagens, aumentando o engajamento do leitor. Características: Uso de desacordos, provocações, segredos revelados ou expectativas frustradas. Exemplo: Em Hamlet de Shakespeare, o diálogo entre Hamlet e sua mãe, Gertrude, é cheio de acusações e tensão psicológica. 4. Exposição do Cenário ou Contexto Objetivo: Apresentar ao leitor informações sobre o mundo da narrativa ou sobre eventos passados. Características: Diálogos expositivos podem ser diretos (explicações claras) ou indiretos (subentendidos). Exemplo: Em O Senhor dos Anéis, Gandalf explica a Frodo o perigo do Um Anel, estabelecendo o pano de fundo para a missão. 5. Criação de Realismo Objetivo: Tornar a história mais autêntica, simulando o ritmo e a cadência da fala humana. Características: Uso de pausas, repetições, interrupções e linguagem coloquial. Exemplo: Diálogos de As Vinhas da Ira de John Steinbeck reproduzem fielmente o sotaque e as expressões da classe trabalhadora nos EUA. 6. Estabelecimento de Relações Objetivo: Explorar e construir as dinâmicas entre os personagens, como amizade, romance, rivalidade, etc. Características: Inclui troca de confidências, provocações ou colaborações que mostram os laços entre personagens. Exemplo: Em O Grande Gatsby de F. Scott Fitzgerald, os diálogos entre Gatsby e Nick mostram a complexidade de sua relação. 7. Transmissão de Tema ou Mensagem Objetivo: Inserir no diálogo elementos que reflitam o tema principal da obra ou a mensagem do autor. Características: Conversas filosóficas, debates morais ou declarações que encapsulam o núcleo temático da narrativa. Exemplo: Em Crime e Castigo de Dostoiévski, diálogos entre Raskólnikov e outros personagens debatem temas como culpa, redenção e justiça. 8. Micropersuasão ou Justificação de Ações Objetivo: Convencer o leitor de que certas escolhas ou eventos são plausíveis dentro do contexto narrativo. Características: Falas que explicam ou racionalizam as motivações dos personagens, mesmo que indiretamente. Exemplo: Em Breaking Bad (uma narrativa audiovisual), Walter White frequentemente usa diálogos para justificar suas ações moralmente dúbias. 9. Inserção de Humor ou Alívio Cômico Objetivo: Reduzir a tensão da narrativa, introduzindo um elemento leve ou engraçado. Características: Trocas espirituosas, ironia ou sarcasmo. Exemplo: Os diálogos de Ron Weasley em Harry Potter frequentemente servem como alívio cômico em momentos de tensão. 10. Preparação de Reviravoltas (Foreshadowing) Objetivo: Plantar pistas sutis sobre acontecimentos futuros, preparando o leitor para reviravoltas. Características: Uso de ambiguidades ou falas aparentemente inocentes, mas que ganham significado posteriormente. Exemplo: Em Game of Thrones, os diálogos muitas vezes contêm referências veladas a traições e mortes futuras. Essas funções podem se sobrepor em um único diálogo, dependendo do objetivo do autor. Por exemplo, um diálogo entre dois personagens pode avançar a trama enquanto cria tensão emocional e transmite o tema central da obra. Cada função contribui de forma única para enriquecer a narrativa e engajar o leitor. Aspectos gramaticais nas abordagens As cinco abordagens — narrativa, descritiva, expositiva, persuasiva e dialógica — podem ser analisadas em termos gramaticais com base nas estruturas linguísticas que predominam em cada uma delas. A seguir está uma síntese das características gramaticais de cada abordagem: 1. Abordagem Narrativa: Estruturas verbais: Uso predominante de tempos verbais no pretérito (passado), como o pretérito perfeito (“ele fez”) e pretérito imperfeito (“ele fazia”), pois a narração geralmente conta eventos passados. Pronomes pessoais: Os pronomes pessoais do discurso direto (como “eu”, “ele”, “ela”, “eles”) são comuns, para manter o foco nos personagens e em suas ações. Sequência de ações: A estrutura gramatical reflete uma sequência de acontecimentos, com uso de orações subordinadas temporais (“quando ele chegou, a porta estava aberta”) e orações coordenadas que indicam a progressão dos fatos. Exemplo: “Ele caminhava pela rua, olhando ao redor, até que viu um vulto se aproximando.” 2. Abordagem Descritiva: Adjetivos e advérbios: Há um uso intensivo de adjetivos e advérbios para qualificar e caracterizar os elementos descritos. Exemplos: “grande”, “sombrio”, “lentamente”, “delicadamente”. Substantivos concretos e abstratos: A abordagem foca em descrever objetos, ambientes e estados, usando substantivos para caracterizar cenas ou sentimentos de forma detalhada. Frases nominalizadas: As frases muitas vezes se concentram mais em qualidades e características do que em ações, o que resulta em nominalizações ou orações adjetivas (“o céu nublado”, “a cor da madeira”). Exemplo: “O jardim estava repleto de flores coloridas, cujas pétalas dançavam suavemente com a brisa.” 3. Abordagem Expositiva: Frases claras e objetivas: Uso de orações declarativas, com um foco na explicação e esclarecimento de ideias. Há também o uso de conectivos lógicos como “portanto”, “por exemplo”, “assim”, “porque”. Construções sintáticas: Estruturas sintáticas simples ou compostas são usadas para expor e organizar a informação de forma didática, com ênfase na clareza e na objetividade. Vocabulário técnico ou conceitual: Frequentemente utiliza-se termos técnicos ou precisos, dependendo do campo de conhecimento. Exemplo: “No coração das Terras Cinzentas, a magia opera segundo um princípio conhecido como o Fluxo Arcano. Esse fluxo é uma energia invisível que permeia todas as coisas vivas e inanimadas. Assim, magos habilidosos conseguem canalizar o Fluxo ao conjurar feitiços, utilizando palavras antigas e gestos específicos. Por exemplo, o feitiço de iluminação, 'Luxen', manipula o Fluxo para criar luz em locais sombrios. No entanto, o uso excessivo dessa energia pode desequilibrar a harmonia natural do mundo, porque o Fluxo é finito e sua regeneração depende do ciclo lunar. Portanto, magos aprendem a usá-lo com cuidado, evitando consequências desastrosas.” 4. Abordagem Persuasiva: Apelos emocionais: Uso de vocabulário emotivo para evocar reações emocionais no receptor, como adjetivos e verbos que expressam sentimentos intensos ou urgência (“urgente”, “desesperado”, “você não pode perder”). Estrutura argumentativa: A construção de argumentos que visam convencer, com ênfase em orações causais (“Porque você precisa”, “Se você não fizer, isso vai acontecer”). Imperativos: Frequentemente, o discurso persuasivo é marcado por imperativos, que buscam incitar ação diretamente no receptor (“Aja agora!”). Exemplo: “Não posso perder essa chance! Só eu posso mudar minha vida para melhor, e este é o momento!” 5. Abordagem Dialógica: Troca de falas: A estrutura de diálogo é predominante, com intercâmbio direto entre os personagens. Frequentemente, as falas são curtas e diretas, com pouco uso de interjeições. Uso de perguntas e respostas: O foco está na interatividade, com muitos questionamentos e respostas que revelam o pensamento dos personagens. Isso pode incluir frases como “Por quê?” ou “O que você quer dizer com isso?”. Pronomes de tratamento e vocativos: Os pronomes pessoais e vocativos são usados para criar intimidade e destacar a relação entre os personagens, além disso indicar o próximo interlocutor para o leitor. Interjeições: característica da língua falada, as interjeições aparecem com mais frequência nos diálogos. Travessão ou marca de discurso direto: faz-se sempre necessário a sinalização do discurso direto de forma unânime na obra. Exemplo: “— Você sabia que ela estava voltando?— Sim, mas não pensei que fosse tão cedo.” Essas abordagens podem se sobrepor ou se misturar, mas cada uma delas possui características gramaticais que definem sua estrutura e função principal na comunicação. A narrativa, por exemplo, busca movimentar a ação; a descritiva, detalha e qualifica o ambiente ou personagens; a expositiva esclarece e ensina; a persuasiva incita a ação; e a dialógica envolve a interação entre os personagens, criando um espaço de troca e desenvolvimento. Estrutura de Parágrafos Construindo um parágrafo peça a peça Agora que já conhecemos os ingredientes (abordagens) que vamos colocar em nossos parágrafos, vamos estudar agora a como colocar tais ingredientes em seus devidos lugares. A estrutura paragrafal na ficção é fascinante porque é extremamente flexível, mas ainda assim segue princípios que ajudam a narrativa a fluir de forma coesa e envolvente. A parte interessante é que no nosso ramo não temos a clássica do começo, meio e fim, mas temos sim 3 partes do parágrafo em que temos que trabalhar. E vamos começar a falar pelo Tópico Frasal que já mencionei antes. 1. O Tópico Frasal O tópico frasal é como o “coração” do parágrafo — ele indica a ideia central ou o propósito daquele trecho. A nossa escolha após tê-lo feito naqueles 3 passinhos do começo é decidir onde colocá-lo: Explícito no começo: O parágrafo já começa com a ideia principal bem definida. Exemplo: “A floresta era perigosa.” Aqui, o leitor já sabe que o parágrafo provavelmente detalhará essa ideia, seja narrando um evento na floresta, descrevendo o perigo ou explicando por que ela é temida. Implícito: O parágrafo não declara a ideia principal, mas a constrói gradualmente, forçando o leitor a inferir. Exemplo: “As árvores estavam curvadas, como se carregassem um peso invisível. Cada som ecoava, multiplicando a sensação de que algo estava errado.” O tópico aqui é “a floresta é assustadora”, mas ele não é dito diretamente. Lembra do parágrafo do Bruno derrotando um bandido no beco? “O beco escuro era um labirinto de sombras, com lixo amontoado e ratos correndo entre os pés de Bruno. O suor escorria pela sua testa enquanto ele avançava cautelosamente, apertando a faca na mão. Um barulho metálico ecoou no silêncio, e Bruno se agachou atrás de uma caixa de lixo enferrujada. Um vulto surgiu da escuridão, empunhando um cassetete. Bruno saltou, esquivando-se do golpe e acertando um chute no estômago do bandido. O homem dobrou-se de dor, e Bruno aproveitou para desferir um golpe certeiro na têmpora. O bandido caiu no chão inconsciente. Bruno respirou fundo, e o coração batia descompassado.” A ausência de tópico frasal aqui é justamente por causa da sequência de ações que muda o significado a cada frase e não pode ser revelado pelo suspense. No meio ou no fim: Às vezes, o tópico surge após alguma contextualização, ou aparece no fim para surpreender o leitor. Exemplo: “Eles caminhavam há horas, atentos a cada movimento entre os galhos. Então viram os olhos — dezenas deles, brilhando na escuridão.” O tópico aqui — “há algo perigoso na floresta” — só é revelado no fim. 2. O Desenvolvimento Essa é a parte mais longa e trabalhada do parágrafo, onde o escritor dá suporte à ideia principal. No desenvolvimento, você pode: Narrar eventos: “O primeiro passo foi hesitante, mas logo a adrenalina os fez correr pela trilha sinuosa.” Descrever detalhes: “O chão estava coberto por folhas podres, e um cheiro ácido pairava no ar.” Expor explicações ou reflexões: “Era comum ouvir histórias de viajantes desaparecidos. Alguns acreditavam que a floresta era assombrada.” O desenvolvimento é onde a abordagem (narrativa, descritiva, expositiva ou persuasiva) realmente brilha. 3. A Conclusão A conclusão de um parágrafo na ficção não é tão formal como em textos acadêmicos, mas é essencial para a fluidez da leitura. Ela pode: Fechar o assunto: “Eles seguiram o caminho de volta, certos de que nunca mais retornariam àquele lugar amaldiçoado.” Criar suspense: “Mas, enquanto saíam, algo os observava de dentro da escuridão.” Conectar com o próximo parágrafo: “Era apenas o começo de uma jornada que mudaria suas vidas para sempre.” Essa parte dá ao leitor uma sensação de fechamento ou impulso para continuar. Ela não precisa ser exatamente uma frase completa e pode inclusive ser parte do tópico frasal. Inclusive pode ser fragmentada. “Ele correu pela trilha; o som de passos o perseguindo; o vento frio cortando sua pele como navalhas. A lua cheia iluminava o caminho, mas não o suficiente para revelar o que se movia entre as árvores. Havia um sussurro, quase humano, mas inumano. Algo estava próximo. Tão próximo que ele sentiu o calor de sua respiração antes de…” Um parágrafo com conclusão fragmentada pode criar suspense, mistério ou ambiguidade ao deixar ideias inacabadas ou pistas para o leitor completar mentalmente. Por que essa estrutura é tão livre na ficção? Como disse anteriormente, na ficção em geral a estrutura dos parágrafos não seguem necessariamente a ordem em que o tópico frasal, o desenvolvimento e a conclusão se apresentam. A ficção é mais livre do que textos técnicos porque precisa criar emoção, não apenas transmitir informações. Por isso, escritores podem brincar com essas partes para criar efeitos narrativos. Um parágrafo pode começar com desenvolvimento, seguido da conclusão e finalizar com o tópico frasal. A ordem na estrutura paragrafal não é rígida. “A noite era silenciosa, mas cheia de promessas sombrias. Ele andava rápido, sentindo que o peso de suas escolhas o seguia, invisível, mas constante. Cada passo parecia um eco de seus próprios arrependimentos.” Você já sabe agora identificar cada uma das abordagens presentes no parágrafo acima, mas saberia identificar o tópico frasal, o desenvolvimento e a conclusão dele? Saberia identificar a ideia desse parágrafo? Esse parágrafo utiliza a abordagem narrativa , introduzindo elementos descritivos e persuasivos. O tópico frasal é "Ele andava rápido...", desenvolvido em "Cada passo ecoava seus arrependimentos". A frase inicial, "A noite era silenciosa...", atua como introdução e conclusão, conectando som e distância. O som evolui gradualmente: do silêncio da noite ao eco dos passos. Paralelamente, a perspectiva se estreita: do ambiente ao personagem, culminando em sua introspecção. Isso justifica a ordem. A estrutura de um parágrafo influencia como o leitor experimenta a história. Parágrafos bem construídos criam ritmo, enfatizam momentos importantes e garantem que o leitor esteja emocionalmente engajado . Além disso, essa flexibilidade permite ao autor controlar como as informações são reveladas, aumentando o impacto da narrativa. No fim, pense no parágrafo como uma peça de um quebra-cabeça maior: ele tem seu propósito único, mas precisa se conectar harmoniosamente ao que vem antes e depois. Composição de Parágrafos Desconstruindo o parágrafo Além das 3 partes de um parágrafo, a estrutura de um parágrafo não se define apenas com a ordem ou presença delas. Assim teríamos que, nós escritores, nos virar nos 30 para desenvolvermos e concluirmos cada um dos milhares de parágrafos que escrevemos. Mas, sim, temos que ter essa habilidade bem desenvolvida, porém com mais alguns truques na manga para nos auxiliar. A variação estrutural de parágrafos contribui para a fluidez e ritmo narrativo, sendo uma ferramenta que os autores utilizam para manipular o fluxo de ideias. A estrutura pode ser classificada como completa, fragmentada, distribuída ou encadeada, com base em como a ideia central (tópico frasal, desenvolvimento e conclusão) é organizada e apresentada. O Parágrafo Completo Um parágrafo que contém completamente um tópico frasal, um desenvolvimento e uma conclusão é o que chamamos de parágrafo completo. Ele é um texto autossuficiente , digno de printar e mostrar para seus amigos. “Carlos não conseguia acreditar no que acabara de ouvir. A proposta de demissão voluntária pegou todos de surpresa, mas, para ele, o choque foi ainda maior. Afinal, investira os últimos dez anos da sua vida naquela empresa, sacrificando finais de semana, feriados e até aniversários de família. Sentiu uma mistura de raiva e frustração, mas logo percebeu que essa era a chance que precisava para finalmente abrir seu próprio negócio. Pela primeira vez em muito tempo, ele enxergou o desconhecido não como uma ameaça, mas como uma oportunidade de recomeçar.” Tópico Frasal: “Carlos não conseguia acreditar no que acabara de ouvir.” Introduz o conflito central do parágrafo: a surpresa de Carlos ao ouvir a proposta de demissão. Desenvolvimento: “A proposta de demissão voluntária pegou todos de surpresa (…) investira os últimos dez anos da sua vida naquela empresa (…)” Aprofunda o contexto, desenvolvendo as emoções de Carlos e o impacto da situação, com detalhes do seu comprometimento profissional. Conclusão: “Pela primeira vez em muito tempo, ele enxergou o desconhecido não como uma ameaça, mas como uma oportunidade de recomeçar.” Fecha o parágrafo com uma reflexão e uma mudança de perspectiva, conectando a ideia inicial à resolução. Esse parágrafo funciona como uma unidade independente , com começo, meio e fim. Ele introduz um conflito, desenvolve as emoções e termina com uma resolução, criando um ciclo narrativo completo dentro de apenas um parágrafo. Porém, nem toda obra se faz com apenas parágrafos completos. O Parágrafo Fragmentado Já mencionei antes o parágrafo fragmentado, em que uma das partes é cortada de propósito para criar um efeito, seja de suspense ou qualquer outro propósito. Vamos ver outro exemplo disso: “Ela abriu a porta lentamente, o rangido ecoando pela casa vazia. Um cheiro acre de mofo e algo mais — algo metálico — enchia o ar. As luzes não acendiam. Seu coração batia descompassado. Ela deu mais um passo, os dedos trêmulos tocando a parede fria. Um ruído veio de cima. Passos? Não, era algo mais pesado… algo que se arrastava. Ela parou, prendeu a respiração e, de repente, ouviu.” A fragmentação na conclusão interrompe o fluxo natural da narrativa e gera um momento de tensão máxima, incentivando o leitor a continuar para descobrir o que acontece em seguida. Esse tipo de construção é frequentemente usado em cenas de terror, suspense ou mistério. Os parágrafos fragmentados apresentam a ideia central em uma estrutura quebrada e não linear. Há interrupções deliberadas na progressão, criando suspense, ritmo acelerado ou dramaticidade. Não é somente cortar o final, mas também repensar na estrutura toda do parágrafo para que a fragmentação contribua com o tom da cena e o propósito. “Ele entrou na sala. Fria. Escura. As sombras dançavam nas paredes.O coração dele batia forte.Algo estava errado.” A ideia aqui é dividida em sentenças curtas, frequentemente em frases e parágrafos menores, deixando lacunas para o leitor. Vou deixar claro que deve-se ter muito cuidado ao utilizar cada uma dessas variações estruturais, pois cada uma deve ter um porquê de ser usado, não podendo usar desenfreadamente, senão perderia o efeito de contraste (👈 como esse negrito) e perderá seu propósito. Os Parágrafos Distribuídos Nos parágrafos distribuídos, a estrutura de uma única ideia é dividida entre dois ou mais parágrafos, sendo que o tópico frasal, desenvolvimento e conclusão podem aparecer em parágrafos diferentes. “Naquele momento, ele decidiu que não voltaria atrás. Tudo ao seu redor parecia conspirar contra ele: os olhos acusadores, as vozes murmurando, o peso nas costas que aumentava a cada passo. Ainda assim, continuou. Não importavam as consequências. Ele já havia escolhido seu caminho.” A ideia agora se divide entre parágrafos, criando espaçamento na apresentação da informação e permitindo inclusão de outras informações ou elementos entre as partes. É uma técnica excelente para narrativas com ritmo pausado ou reflexivo, permitindo aprofundamento e nuances. “Mariana observava os números no extrato bancário. Era um cenário que se repetia mês após mês: entradas escassas, saídas excessivas e o saldo sempre no limite do negativo. Tentava se convencer de que aquilo era normal, que todos passavam por apertos financeiros de vez em quando. Mas, no fundo, ela sabia que algo precisava mudar. O medo de fracassar e a falta de coragem a paralisavam, deixando-a naquele ciclo interminável. Não podia continuar assim.” Colocar a conclusão em um parágrafo separado cria um impacto dramático, dando ênfase à inevitabilidade da mudança e destacando a urgência do momento. Esse formato quebra a expectativa do leitor, deixando a ideia final ressoar com mais força, como se fosse um pensamento definitivo e inevitável, convidando a continuar a leitura. Os Parágrafos Encadeados Esses são um conjunto coeso no qual uma mesma ideia é desenvolvida ao longo de vários parágrafos, avançando de forma contínua e progressiva. Diferente dos distribuídos, os encadeados têm suas partes conectadas sem lacunas perceptíveis. “O capitão ergueu a espada, observando o horizonte. A batalha se aproximava, e ele podia sentir o cheiro de pólvora no ar. O navio inimigo surgia lentamente com suas velas rasgadas pelo vento. Gritos ecoaram no convés, enquanto os marinheiros corriam para suas posições. Quando o primeiro tiro de canhão rugiu, o capitão sorriu. Não havia mais volta.” Aqui a ideia avança linearmente através de parágrafos consecutivos, mantendo a coesão e continuidade da narrativa. É ideal para cenas de ação contínua, descrições longas ou desenvolvimento progressivo de uma situação. Alternar entre completos, fragmentados, distribuídos e encadeados oferece ao autor uma maneira de controlar o ritmo e a complexidade da narrativa, mantendo o leitor envolvido. Essa variação permite uma escrita dinâmica e adaptada ao propósito narrativo de cada cena ou momento. Os 4 Princípios do Parágrafo Apesar de eu estar sempre dizendo que na ficção é diferente, que na novel é tudo liberado, ainda há 4 princípios comuns a todos os parágrafos bem feitos em qualquer gênero textual. São eles: 1. Unidade Todo o texto de um parágrafo deve estar unido sob a mesma bandeira de um tópico , um tema , uma ideia . Em parágrafos normais e padrões, isso se dá através do tópico frasal no começo, ou período tópico , em que é necessário que "uma frase" inicie o parágrafo indicando o tópico daquele parágrafo. E então todo o resto do texto detalha esse tópico. Como eu expus na seção anterior, não há uma obrigação do tópico frasal iniciar o parágrafo, e agora digo que tampouco o resto do parágrafo se trataria do detalhamento do tópico. É aí que mora a liberdade na escrita criativa. A unidade do parágrafo não é hierárquico em que tudo é subordinado ao tópico frasal, mas deve ser considerado que, ao analisar no final, tudo colaborou a favor do tópico. Vamos ver alguns exemplos de como podemos manipular a estrutura do parágrafo mantendo a unidade paragrafal: 1. Tópico Frasal no Meio do Parágrafo "Os gritos ecoavam pelos corredores, misturando-se ao som das sirenes. Cada passo de Clara parecia mais pesado, mais incerto. Afinal, fugir não era sua especialidade, mas naquele momento, era sua única escolha. Ela precisava escapar." O parágrafo começa com detalhes sensoriais e ações, mas o tópico central implícito, "Clara tentava escapar", surge no meio. As frases iniciais e finais se alinham ao tópico, sem subordiná-lo. Esse exemplo reforça o que foi dito na seção anterior. 2. Parágrafo em Suspense com Tópico Implícito "A faca estava sobre a mesa. A janela, entreaberta. O relógio na parede marcava meia-noite. E o silêncio? Ele era ensurdecedor." Não há uma frase explícita que funcione como tópico frasal. O tópico implícito, "uma atmosfera de tensão", emerge da combinação dos detalhes aparentemente desconexos. 3. Conclusão como Tópico Frasal "Eles finalmente chegaram. Depois de horas enfrentando o frio e os ventos cortantes, o abrigo estava diante deles. Nada mais importava agora — o pior havia ficado para trás." O tópico, "Eles finalmente chegaram", é a conclusão, e todo o parágrafo cria um contexto emocional e físico que culmina nesse ponto. 4. Tópico Focado em Reflexão "A chave estava na mão dele, e isso deveria bastar. Mas será que bastava? O peso da decisão não estava na porta que abriria, mas no que ficaria para trás." O parágrafo mistura ação e reflexão, onde o tópico, "o peso da decisão", é explorado de forma indireta e introspectiva. 5. Contraposição ao Tópico no Início "Ela não queria lutar. Cada fibra do seu ser desejava fugir daquele lugar. Mas ali estava ela, espada em punho, encarando o inimigo como se não tivesse escolha." O tópico frasal, "Ela não queria lutar", é contradito pelas ações subsequentes, criando um contraste que reforça a unidade do parágrafo. 6. Detalhamento no Começo e Tópico no Fim "O calor era sufocante, o ar pesado. As árvores ao redor bloqueavam qualquer brisa. O chão estava seco, rachado. Nada se movia. Era o tipo de lugar onde a esperança ia para morrer." O parágrafo inicia com detalhes descritivos e só revela o tópico frasal na conclusão, "o tipo de lugar onde a esperança ia para morrer." 7. Tópico Deslocado e Fragmentação "Primeiro, o som de passos. Depois, o tilintar de metal. Por último, a respiração ofegante atrás da porta. Não havia dúvida: alguém estava ali." O tópico frasal, "alguém estava ali", aparece no final, enquanto os fragmentos constroem a tensão que conduz ao tópico. 8. Ação em Vez de Declaração "Correu. Não olhou para trás. Os galhos arranhavam sua pele, e a escuridão parecia apertar ao seu redor. Não havia como parar agora." O parágrafo transmite o tópico "uma fuga desesperada" sem declará-lo explicitamente. As ações unificam o texto sob o mesmo propósito. 9. Unidade por Contraste e Repetição "Não havia mais ninguém. O salão vazio ecoava a ausência. E, ainda assim, ele podia sentir os olhos invisíveis, observando, esperando, julgando." O tópico implícito, "a sensação de ser observado", é construído por contraste com a ideia inicial de solidão e reforçado pela repetição de "observando, esperando, julgando." 10. Reflexão Filosófica com Unidade Sutil "O tempo não para. Mas para ela, naquele momento, parecia congelado. Talvez porque, às vezes, o tempo não é sobre segundos ou minutos, mas sobre escolhas. E a escolha dela estava à espera." O tópico frasal, "a escolha dela estava à espera", surge no fim, enquanto as reflexões criam um pano de fundo filosófico que sustenta o parágrafo. Esses exemplos mostram que, mesmo com estruturas menos tradicionais, a unidade de um parágrafo pode ser mantida desde que todos os elementos colaborem com o tópico, seja ele explícito ou implícito. A liberdade na escrita criativa permite brincar com essas possibilidades. 2. Ordem Ordem refere-se à maneira como você organiza as informações nas frases que compõem o seu parágrafo. Quer você escolha ordem cronológica, ordem de importância ou outra apresentação lógica de detalhes, um parágrafo sólido sempre tem uma organização definida. Em um parágrafo bem ordenado, o leitor acompanha facilmente a história, auxiliado pelo padrão que você estabeleceu. A ordem ajuda o leitor a entender seu significado e evitar confusões. Quando se utiliza, por exemplo, ordem direta ou indireta nas orações, você está organizando a ordem em que o sujeito e o objeto aparecem para o leitor. Você pode começar o parágrafo com informações que o leitor já conhece e ir adicionando informações novas no decorrer do parágrafo. Você também pode falar de coisas triviais que possam gerar expectativa para o que você vai apresentar no final do parágrafo. A ordem é você como autor que irá definir de acordo com como quer apresentar ao público. Vejamos alguns exemplos de como podemos controlar a ordem dentro de um parágrafo: 1. Ordem Cronológica Organiza os eventos na sequência em que ocorreram. "Amanhecia quando Lucas saiu de casa. Ele atravessou o parque vazio, sentindo a brisa fresca no rosto. Pouco depois, entrou na cafeteria da esquina, onde tomou um café forte para começar o dia." A ordem segue o fluxo natural do tempo, do amanhecer até o momento em que Lucas toma café. 2. Ordem de Importância Apresenta informações começando do menos importante ao mais significativo, ou vice-versa. "Os corredores estavam silenciosos, exceto pelo som de passos distantes. A luz das lâmpadas piscava intermitentemente, aumentando a tensão. Mas o que realmente chamou sua atenção foi a porta aberta no final do corredor, de onde vinha uma leve brisa e um brilho estranho." Detalhes menores (sons, luzes) são apresentados primeiro, culminando no detalhe mais importante (a porta aberta). 3. Ordem Direta (Sujeito antes do Objeto) Coloca o sujeito no início da frase, seguido pelo objeto. "Maria segurou a carta com firmeza. A mensagem escrita à mão trazia uma decisão que mudaria tudo. Ela dobrou o papel cuidadosamente e o guardou no bolso." As frases seguem a estrutura direta, com o sujeito realizando as ações (Maria -> segurou, dobrou, guardou). 4. Ordem Indireta (Objeto antes do Sujeito) Coloca o objeto ou o foco no início, seguido pelo sujeito. "A carta, Maria segurou com firmeza. O papel, ela dobrou cuidadosamente e o guardou no bolso. A decisão escrita ali, ela não poderia ignorar." A inversão de sujeito e objeto muda o foco para os itens (carta, papel, decisão) antes de introduzir a ação. 5. Ordem do Conhecido para o Novo Começa com informações que o leitor já conhece, introduzindo novos elementos gradualmente. "Os guardas já estavam acostumados com os gritos vindos das masmorras. Mas naquela noite, algo diferente aconteceu: os gritos cessaram abruptamente, substituídos por um silêncio ensurdecedor que deixou todos em alerta." Inicia com um contexto familiar (gritos), adicionando o elemento novo (o silêncio) que quebra a expectativa. 6. Ordem do Trivial ao Impactante Começa com detalhes simples e termina com algo que chama atenção. "As velas estavam acesas, iluminando a sala com uma luz suave. Na mesa, um caderno de capa preta permanecia aberto. No entanto, o que realmente perturbava era a sombra que se movia sozinha na parede." Pequenos detalhes (velas, caderno) constroem o ambiente, culminando no elemento mais intrigante (a sombra). 7. Ordem Circular O parágrafo termina retornando à ideia inicial. "Ele começou o dia no café de sempre, olhando pela janela enquanto tomava seu expresso. Ao longo do dia, encontrou amigos, enfrentou reuniões intermináveis e caminhou pela cidade. No fim da tarde, como sempre, voltou ao mesmo café, onde observou o pôr do sol com seu segundo expresso." O parágrafo começa e termina no mesmo ponto (o café), reforçando uma sensação de ciclo. 8. Ordem Contraposta Alterna informações contrastantes para criar tensão. "A sala estava limpa e organizada, mas o cheiro de algo queimado pairava no ar. O tapete parecia novo, exceto pela mancha escura no centro. Tudo parecia perfeito, mas havia algo profundamente errado naquele lugar." A alternância entre o normal e o estranho gera contraste e mantém o interesse. 9. Ordem por Expectativa Cria uma sequência que gera curiosidade ou antecipação. "Primeiro, ele ouviu o clique da porta. Depois, o som abafado de passos no corredor. Finalmente, a maçaneta girou lentamente, e a porta se abriu." A progressão dos detalhes aumenta a expectativa, levando a um clímax no final. 10. Ordem Inversa Apresenta primeiro o resultado, depois explica os detalhes. "O quadro estava em pedaços no chão. Havia tinta espalhada pelas paredes e o cheiro de solvente era forte. Tudo isso começou quando alguém, sem querer, esbarrou no cavalete durante a exposição." O parágrafo começa com o resultado (quadro quebrado) e depois explica as causas, criando curiosidade no leitor. Essas variações de ordem permitem que o autor manipule o ritmo, a curiosidade e a atenção do leitor, enriquecendo a experiência narrativa. 3. Coerência Coerência é a qualidade que torna sua escrita compreensível. As frases e palavras dentro de um parágrafo precisam se conectar umas às outras e trabalhar juntas como um todo. Um dos truques para alcançar a coerência é usar palavras de transição. Não, não estou falando de conectivos, mas de palavras que possam relacionar um elemento de uma frase com o elemento de outra. Quando o próprio texto não demonstra a relação entre uma frase e outra, essas palavras de transição podem auxiliar. Além disso, ao escrever um parágrafo, usar um tempo verbal consistente e um ponto de vista são ingredientes importantes para a coerência. Deve também se tomar cuidado ao adotar técnicas de estilística, sem as saber executar bem, podendo causar erros de interpretação. Enfim, a coerência de um parágrafo diz respeito ao alinhamento entre o que o autor queria transmitir com o que o leitor poderia compreender . Vamos aos exemplos: 1. Palavras de Transição para Ordem Temporal ✔️ "Ela abriu o caderno e revisou os rascunhos da noite anterior. Depois disso, apagou algumas frases e acrescentou novas ideias. Finalmente, satisfeita, fechou o caderno e guardou-o na prateleira." Por que funciona: As palavras de transição ("depois disso", "finalmente") ajudam a organizar as ações em ordem temporal, facilitando o entendimento do leitor. ❌ "Ela abriu o caderno. Apagou algumas frases. Acrescentou novas ideias. Fechou o caderno." Por que não funciona: A ausência de palavras de transição deixa as ações desconectadas, dificultando a compreensão do fluxo das atividades. Isso até pode ser considerado um efeito estilístico, mas há de se considerar a intencionalidade, e com certeza ficaria melhor em um único período. 2. Relações Espaciais ✔️ "A mesa estava no centro da sala, coberta com papéis e cadernos. À direita, uma pilha de livros quase caía. Acima da mesa, uma luminária pendia, projetando luz sobre o caos organizado." Por que funciona: As palavras referenciais ("à direita", "acima") ajudam a criar um mapa mental do espaço descrito, conectando os elementos entre si. ❌ "A mesa estava no centro da sala. Uma pilha de livros quase caía. Uma luminária projetava luz." Por que não funciona: A falta de relações espaciais deixa os objetos desconectados, dificultando a visualização do ambiente. O leitor pode preencher essas lacunas com imaginação, mas, se algum objeto desses faz parte do enredo e sua posição importa, o próprio autor tem a obrigação de preencher. 3. Relações Lógicas ✔️ "João estudou o mapa atentamente. De fato, ele sabia que qualquer erro de cálculo poderia custar caro. Além disso, a travessia era perigosa, exigindo precisão absoluta." Por que funciona: Expressões como "de fato" e "além disso" conectam as frases, estabelecendo uma relação de causa e consequência. ❌ "João estudou o mapa atentamente. Ele sabia que qualquer erro poderia custar caro. A travessia era perigosa." Por que não funciona: A relação entre as frases não está clara, e o parágrafo perde fluidez lógica. 4. Tempo Verbal Consistente ✔️ "Ana caminhava pela praia enquanto o sol se punha. O vento soprava suavemente, trazendo o cheiro de sal. Ela pensava em como aquele lugar sempre lhe trazia paz." Por que funciona: O uso do pretérito imperfeito em todas as frases mantém a consistência temporal. ❌ "Ana caminhava pela praia enquanto o sol se punha. O vento sopra suavemente, trazendo o cheiro de sal. Ela pensava em como aquele lugar sempre trouxe paz." Por que não funciona: A troca de tempos verbais (pretérito para presente) quebra a coerência, confundindo o leitor. Esta troca não teve nenhuma justificativa, como troca de abordagem ou mudança de referência temporal. 5. Ponto de Vista Consistente ✔️ "Lucas não conseguia parar de pensar no que havia acontecido. Suas mãos tremiam, e ele mal ouvia os outros conversando. 'Eu preciso sair daqui', pensou ele." Por que funciona: O ponto de vista em terceira pessoa permanece consistente ao longo do parágrafo. ❌ "Lucas não conseguia parar de pensar no que havia acontecido. Suas mãos tremiam. 'Preciso sair daqui', pensei eu." Por que não funciona: A mudança abrupta para a primeira pessoa quebra o ponto de vista, prejudicando a coerência. 6. Coerência sem Palavras de Transição ✔️ "O sol estava alto no céu. A areia queimava os pés de Clara enquanto ela caminhava até a água. Quando chegou à beira do mar, mergulhou sem hesitar." Por que funciona: Mesmo sem conectores explícitos, as ações estão dispostas de forma lógica, garantindo a compreensão. ❌ "O sol estava alto no céu. Clara caminhava. Mergulhou na água." Por que não funciona: A falta de conexão lógica entre as ações cria lacunas no entendimento. 7. Técnicas de Estilística Bem Executadas ✔️ "No início, silêncio absoluto. Depois, o som de passos. Por fim, um grito cortou o ar, rasgando o que antes parecia eterno." Por que funciona: A estrutura fragmentada e as frases curtas criam uma tensão crescente, alinhando estilo e propósito. ❌ "No início havia silêncio. Depois, passos. Um grito cortou o ar. Antes, parecia eterno." Por que não funciona: A desordem nas frases e a tentativa de estilização sem propósito quebram a coerência. 4. Completude Completude significa que um parágrafo está bem desenvolvido. Se todas as frases apoiarem de forma clara e suficiente a ideia principal , seu parágrafo estará completo. Se não houver frases ou informações suficientes para concluir o que você se propôs a apresentar no parágrafo, o parágrafo está incompleto. Isso de nada tem a ver com completar a história, mas somente da fração que você escolheu mostrar ou contar naquele trecho. Se você escolheu descrever um personagem naquele parágrafo, o personagem deve ser totalmente descrito ali e não continuar em outro. Você pode optar por descrever somente os olhos do personagem ou apenas seus trejeitos. Como dito na Unidade, a escolha do tópico frasal é importante nesse caso também, podendo optar por descrever algo mais amplo ou mais específico. É importante que você defina um escopo, uma delimitação clara do que irá escrever, senão irá necessitar de muitas linhas para poder concluir. O que é possível de se fazer é que um parágrafo complemente a informação de outro parágrafo. No entanto, cada parágrafo deve ter sua ideia concluída, não necessitando que parágrafos anteriores ou posteriores sejam lidas para que se compreenda os sentidos. Tudo deve confluir para reforçar o seu tópico frasal, e não divagá-lo. Isso de maneira alguma exclui a necessidade do contexto. O importante aqui é a compreensão do trecho e não da história como um todo. Vamos aos exemplos: 1. Parágrafo Descritivo Completo ✔️ "Joana tinha olhos de um azul intenso, como o céu em dias claros. Suas sobrancelhas eram finas, arqueadas como se desenhadas à mão. O nariz pequeno e delicado dava-lhe uma expressão quase angelical, enquanto os lábios, rosados e ligeiramente curvados para cima, pareciam estar sempre a ponto de sorrir." Por que funciona: A descrição foca inteiramente no rosto de Joana, com detalhes suficientes para concluir a ideia dentro do escopo delimitado. ❌ "Joana tinha olhos de um azul intenso e sobrancelhas finas. Seus lábios pareciam sempre a ponto de sorrir." Por que não funciona: O parágrafo carece de detalhes para concluir a descrição, omitindo informações que deixariam o retrato completo. 2. Parágrafo Narrativo Completo ✔️ "Lucas entrou na sala, olhou ao redor e percebeu que algo estava errado. O silêncio era absoluto, e a luz piscava intermitentemente. Ele se aproximou da mesa, onde viu um envelope com seu nome. Ao abrir, encontrou uma mensagem que o fez recuar, com as mãos tremendo." Por que funciona: O parágrafo narra uma ação específica (a entrada de Lucas e a descoberta do envelope) e conclui com uma reação, sem deixar lacunas. ❌ "Lucas entrou na sala e percebeu algo errado. Havia um envelope com seu nome. Ele o abriu." Por que não funciona: A narrativa é rasa e deixa várias lacunas (o que estava errado? O que ele sentiu ao abrir o envelope?). 3. Parágrafo Reflexivo Completo ✔️ "Ela pensava em como a vida parecia injusta às vezes. Havia se esforçado tanto, e, no entanto, os resultados pareciam não vir. Era como se cada passo para frente fosse seguido por dois para trás. Mas, no fundo, sabia que desistir não era uma opção. Precisava seguir em frente." Por que funciona: A reflexão está bem delimitada e concluída dentro do escopo do parágrafo, sem depender de informações externas. ❌ "Ela pensava em como a vida era injusta. Mesmo se esforçando, os resultados não apareciam. Mas ela precisava seguir." Por que não funciona: A reflexão não é desenvolvida de forma satisfatória, carecendo de maior profundidade e fechamento. 4. Escopo Amplo, mas Completo ✔️ "A biblioteca era um lugar mágico. Fileiras e mais fileiras de livros antigos criavam corredores que pareciam não ter fim. O cheiro de papel envelhecido e couro impregnava o ar, trazendo uma sensação de nostalgia. As mesas, polidas e bem cuidadas, brilhavam sob a luz suave dos lustres. Tudo ali parecia convidar à exploração e ao aprendizado." Por que funciona: A descrição cobre todos os elementos principais do ambiente da biblioteca, concluindo a ideia. ❌ "A biblioteca era um lugar mágico, cheia de livros antigos. As mesas brilhavam sob a luz suave. Tudo parecia convidativo." Por que não funciona: A descrição é incompleta, omitindo detalhes importantes que ajudariam a criar uma imagem mais rica. 5. Escopo Específico, mas Completo ✔️ "Os olhos do gato eram impressionantes. Verdes como esmeraldas, refletiam a luz de uma forma quase hipnótica. As pupilas negras, verticais e precisas, dilatavam-se conforme ele observava o movimento ao redor." Por que funciona: A descrição se limita aos olhos do gato e os detalha de forma completa. ❌ "Os olhos do gato eram verdes e refletiam a luz. Suas pupilas se dilatavam." Por que não funciona: Apesar de focar nos olhos, o parágrafo não traz informações suficientes para desenvolver a ideia de forma completa. 6. Complemento entre Parágrafos ✔️ "Joana era uma figura peculiar. Seus olhos azuis intensos e os cabelos longos chamavam atenção, mas eram seus trejeitos que realmente a diferenciavam. Ela movia as mãos constantemente enquanto falava, como se desenhasse no ar. Seu riso, suave e contagiante, parecia iluminar qualquer ambiente." Por que funciona: Cada parágrafo tem uma ideia concluída (aparência e trejeitos), mas juntos constroem uma visão completa de Joana. ❌ "Joana era uma figura peculiar. Seus olhos azuis chamavam atenção. Seus trejeitos eram diferenciados." Por que não funciona: A informação está fragmentada, sem desenvolvimento suficiente em cada parágrafo. 7. Reflexão Incompleta ✔️ "O fim da jornada trazia uma mistura de alívio e melancolia. Tudo o que haviam enfrentado parecia valer a pena, mas a sensação de vazio era inegável. Talvez fosse o preço a se pagar por grandes conquistas." Por que funciona: A reflexão é bem desenvolvida e encerra a ideia apresentada. ❌ "O fim da jornada trazia alívio. Era o preço a pagar por grandes conquistas." Por que não funciona: A reflexão é rasa e não explora as emoções de forma completa. Lidar com esses 4 princípios não é uma tarefa simples, mas você pode treinar, treinar e treinar para que saia de forma natural. É claro que você pode dar umas relaxadas em alguns aspectos, mas sempre faça de forma intencional, que foi da tua vontade deixar raso, deixar fragmentado, deixar confuso para o suspense e outros propósitos. Transição de Parágrafos Entre um parágrafo e outro Até aqui expliquei tudo sobre o desenvolvimento de UMA ideia de parágrafo, como propor a ideia, escrever a ideia, escolher os métodos, a ordem e a estrutura. E agora? Como fazemos para avançarmos para outro parágrafo, outra ideia? Como escritores de obras serializadas, nós webnoveleiros, já somos obrigados a pensar em como finalizar um capítulo e como começar outro. Ah, mas isso é uma tarefa até nos parágrafos. Sim, estamos muito ferrados. Temos que pensar em enredar o leitor parágrafo a parágrafo para ele não dropar no meio do capítulo também. Não é porque tem só mais 500 palavras do capítulo que não vai se sentir entediado e terminar por ali mesmo. Para te ajudar, vou te apresentar as técnicas mais utilizadas para avançar de um parágrafo a outro, vou te mostrar as técnicas de transição. A transição entre parágrafos é fundamental para manter a coesão, a fluidez e o ritmo do texto. Em uma narrativa ou outro tipo de escrita, ela permite que o leitor passe de uma ideia para outra sem perda de conexão ou compreensão. Existem diferentes técnicas para realizar essas transições, cada uma adequada a uma situação. 1. Conectivos ou Marcadores de Transição São palavras ou expressões que indicam continuidade, adição, contraste, causa, conclusão, entre outras relações. Exemplos incluem: portanto, além disso, no entanto, em seguida, finalmente. “A chuva finalmente cessou, e o sol surgiu por entre as nuvens. As crianças saíram correndo para aproveitar o dia. Enquanto isso, os adultos se reuniram na varanda para conversar e tomar um café fresco.” Aqui, “Enquanto isso” conecta os dois parágrafos indicando simultaneidade. 2. Repetição ou Referência a uma Palavra-Chave Repetir ou retomar uma palavra importante do parágrafo anterior para reforçar o elo entre as ideias. “A floresta era densa e escura. Cad a árvore parecia mais alta e mais antiga do que a anterior. Aquela floresta guardava segredos q ue poucos ousaram descobrir, e cada passo dado lá dentro era um mergulho no desconhecido.” A palavra “floresta” é retomada para manter a continuidade. 3. Pergunta Retórica ou Interrogativa Finalizar um parágrafo com uma pergunta que será respondida ou discutida no seguinte. “João não sabia mais o qu e fazer para resolver aquela situação. Tudo parecia perdido. Seria o destino tão cruel as sim? Talvez não. João ainda tinha uma última carta na manga.” A pergunta retórica cria uma ponte direta e instiga a continuidade. 4. Encadeamento de Ideias (Causa e Consequência) A ideia final de um parágrafo serve como gancho para iniciar o próximo, mostrando relação de causa, consequência ou continuidade. “O garoto trope çou no meio da rua, espalhando suas compras pelo chão. Por sorte, uma senhora que passava ajudou-o a recolher as frutas e os pães.” O termo “Por sorte” introduz uma consequência positiva da situação anterior. 5. Transição com Contraste Usar expressões que indicam oposição, como no entanto, mas, contudo, por outro lado, etc. “A cidade pareci a perfeita aos olhos dos turistas. Ruas limpas, prédios históricos bem cuidados. Por outro lado, os moradores reclamavam do custo de vida elevado e do excesso de visitantes durante o verão.” O uso de “Por outro lado” sinaliza contraste e mudança clara da ideia. 6. Elemento ou Personagem Contínuo Manter o foco em um personagem, objeto ou evento que transita entre os parágrafos, servindo de conexão. “Lucas saiu de casa apress ado, com a mochila nas costas e os fones de ouvido. Enquanto descia a rua, Luc as pensava em como evitar a bronca do chefe por estar atrasado.” O personagem Lucas atua como elo entre os parágrafos. 7. Conclusão de uma Ideia e Introdução de Outra Um parágrafo conclui uma ideia e o seguinte introduz uma nova, mas conectada ao fluxo do texto. “O inverno trouxe consigo dia s curtos e noites intermináveis, uma verdadeira prova de resistência para os moradores do vilarejo. Além do frio, os aldeões precisavam lidar com a escassez de alimentos que a estação rigorosa provoca va.” A expressão “Além do frio” conecta a conclusão do parágrafo anterior a uma nova questão. 8. Uso de Metáforas ou Imagens Contínuas Retomar uma metáfora ou imagem do parágrafo anterior para manter o fluxo e aprofundar o tema. “A vida de Pedro era c omo um navio à deriva, sem um destino claro. Mas, finalmente, ele decidiu assumir o leme e buscar um porto seguro, não importando as tempe stades que enfrentaria.” A metáfora do navio conecta os dois parágrafos. A transição entre parágrafos é essencial para manter o texto coeso e fluido. Cada técnica pode ser usada dependendo do tom, do ritmo e da intenção da narrativa. Combinar diferentes métodos, como repetição de palavras, conectivos e continuidade de personagens, é uma estratégia eficaz para criar uma leitura envolvente e sem rupturas abruptas sem motivo. Uma transição bem feita, vai obrigar o leitor a continuar lendo, seja pela fluidez ou pelo estímulo à ansiedade. Cada palavra colocada entre um parágrafo e outro deve ser milimetricamente controlada seguindo a estratégia do autor, e isso faz suar a testa de todos nós. O Tamanho do Parágrafo Esse eu sei que é um assunto polêmico, e por isso quis deixar por último. Mas, Kamo, no outro artigo você já disse que é de 1 a 8 linhas, em média 2 a 4. Então, isso é informação pra leigo. Você já deve saber a essa altura do porquê utilizarmos uma medida tão baixa em webnovel. O principal concorrente da webnovel não é o livro e nem quadrinhos/mangás. O principal concorrente da webnovel é Tiktok, Youtube, Instagram, X, Netflix, Amazon Prime, Crunchyroll… As mídias sociais e conteúdos digitais são a nossa principal concorrência. Isto ocorre porque nós compartilhamos o meio pelo qual os leitores consomem nossas obras: a tela do smartphone. Nisso o nosso esforço é no quanto de tempo de tela conseguimos tirar o leitor de assistir seus vídeos e conteúdos da rede para ler nossas obras. Esqueçam os livros e padrões preestabelecidos na escrita. Isso aqui é terra sem lei . Psicologia Paragrafal Onde não há lei, entra a ciência e a psicologia. Definir o tamanho e as propriedades dos parágrafos para engajar o leitor envolve aspectos psicológicos ligados à percepção, atenção, e processamento de informações. Listo abaixo os principais aspectos psicológicos e como eles impactam a leitura: 1. Carga Cognitiva Baseado na Teoria da Carga Cognitiva de Sweller (1988) , leitores têm limites na quantidade de informações que conseguem processar de uma vez. Parágrafos longos podem sobrecarregar, enquanto os curtos mantêm o ritmo dinâmico. Parágrafos curtos reduzem a sobrecarga cognitiva e facilitam o entendimento, principalmente em textos densos ou explicativos. Portanto divida parágrafos muito densos sem justificativa em blocos menores, garantindo que cada parágrafo desenvolva uma ideia clara e autossuficiente. O autor pode estruturar o texto para apresentar informações em blocos manejáveis, respeitando o limite da memória de trabalho. Por exemplo, um parágrafo expositivo denso sobre um sistema mágico pode ser fragmentado em partes que detalhem origem, funcionamento e limites. 2. Ritmo e Variação A monotonia de parágrafos uniformes em tamanho pode entediar o leitor. Alternar entre parágrafos curtos (ação rápida) e longos (reflexão ou descrição) cria uma experiência dinâmica reflete a intensidade emocional da cena. A variação no tamanho dos parágrafos ativa o sistema de recompensa cerebral (dopamina), associado à novidade e ao ritmo. Segundo estudos de Larsen-Freeman (1997) , variação linguística mantém o interesse do leitor. Você pode, por exemplo, usar parágrafos curtos para cenas de ação e longos para momentos introspectivos ou descritivos, mantendo o leitor emocionalmente engajado. 3. Escaneabilidade De acordo com o trabalho de Nielsen (2006) sobre leitura na web, leitores tendem a escanear o texto antes de lê-lo profundamente. Parágrafos claros e bem delimitados facilitam essa navegação. Em conjunto com o estudo anterior, opte por apresentar identidades claras nas primeiras e nas últimas palavras do parágrafo, onde o leitor costuma escanear. Nesse aspecto, é considerado um erro começar todas ou a maioria dos parágrafos da mesma forma sem um intuito. O texto ficcional narrativo não necessita de estruturas claras e diretas como nos textos argumentativos ou dissertativos, porém opte pela clareza em alguns parágrafos para servir como pontos de escaneamento. Por exemplo, você pode utilizar frases adverbiais no começo de alguns parágrafos para informar ao leitor logo de início qual parte da história (espaço/tempo) este parágrafo apresenta. 4. Espaço em Branco e Respirabilidade O espaçamento entre parágrafos vai além de uma obrigatoriedade editorial; é uma ferramenta estratégica que permite ao autor transmitir ritmo e pausas na leitura. Mais do que um elemento visual, o espaçamento ajuda a organizar as ideias, reduz a ansiedade visual e facilita a compreensão, permitindo que o leitor "respire" enquanto interage com o texto. A Teoria Transacional de Rosenblatt (1988) destaca que a formação de significado ocorre por meio da interação contínua entre o leitor e o texto. Nessa relação, Rosenblatt explica em Literature as Exploration (1933) que a experiência estética desempenha um papel essencial, e o design visual do texto, incluindo espaçamentos, contribui para essa experiência. Por exemplo, espaçamentos maiores podem ser usados em transições de cena para substituir marcadores visuais, criar suspense ou indicar pausas na narração. No trecho já mostrado a seguir, extraído de Mushoku Tensei , o espaçamento reflete a pausa reflexiva do narrador, ajudando a intensificar o impacto: “Parece que quanto mais complicado fosse um feitiço, mais longo seria o tempo proferindo o cântico. Na verdade, feitiços complicadíssimos tinham que ser entoados em conjunto com formações mágicas; isso não era um problema no início, no entanto… Diz aqui que um mago habilidoso poderia usar magia sem cantá-la. É o que chamam de sem cântico ou cântico curto.” — Trecho de Mushoku Tensei , Rifujin na Magonote No exemplo acima, o espaçamento maior entre os trechos indica uma transição entre a explicação técnica do feitiço e a revelação de um aspecto narrativo importante, o que ajuda a dar ênfase ao momento e provoca uma pausa reflexiva no leitor. Além disso, é fundamental evitar parágrafos excessivamente longos ou compactos. Reorganize o conteúdo em blocos menores e coesos, ou combine parágrafos curtos sem propósito. Assim, o texto não apenas comunica ideias, mas também guia o leitor por uma experiência visual e narrativa mais envolvente e fluida. 5. Emoções e Conexão A Teoria da Empatia Narrativa de Suzanne Keen (2006) e o estudo sobre ficção e empatia de Raymond Mar (2009) sugerem que o engajamento emocional do leitor depende de sua conexão com o texto. O tamanho e o tom dos parágrafos devem ser ajustados para refletir as emoções da cena. Parágrafos curtos, com frases impactantes, intensificam a carga emocional e geram um efeito imediato, sendo ideais para momentos de tensão ou suspense. Já os parágrafos longos permitem uma imersão mais profunda no psicológico do personagem ou no cenário, sendo indicados para momentos de contemplação ou descrições detalhadas. 6. Continuidade e Antecipação Baseado no Efeito de Zeigarnik , que sugere que o cérebro foca em tarefas incompletas, ganchos e transições bem estruturadas mantêm a curiosidade do leitor. Encerrar parágrafos com frases que introduzem questões ou abrem caminhos para o próximo mantém o leitor engajado. Criar transições que deixam perguntas no ar alimenta a sensação de continuidade, incentivando a leitura sequencial. Conclusões fragmentadas, perguntas retóricas ou frases que servem como ganchos para o próximo parágrafo ajudam a prender a atenção do leitor. Portanto, analise nas suas estruturas paragrafais e conclusões se há força efetiva suficiente de continuidade antes de começar outro parágrafo. 7. Complexidade da Ideia De acordo com o modelo de Teoria da Compreensão de Textos de Kintsch (1988), informações complexas devem ser apresentadas em partes para facilitar a assimilação. Divida ideias complexas em parágrafos menores, garantindo que cada um tenha um tópico frasal claro. Explicações detalhadas, como sistemas mágicos ou contextos históricos em narrativas de fantasia, podem ser fragmentadas para maior clareza. Enquanto ideias simples podem ser expressas em parágrafos curtos, ideias complexas exigem mais espaço para desenvolvimento. Ajuste o tamanho do parágrafo ao escopo da ideia, evitando tanto o excesso de informações desnecessárias em ideias simples quanto a condensação excessiva de ideias complexas. Encheção de linguiça é extremamente proibido na ficção! (não só na ficção, mas é sempre bom frisar) 8. Feedback Psicológico Positivo De acordo com a Teoria do Progresso (Amabile e Kramer, 2011), completar pequenas tarefas gera uma sensação de conquista, e parágrafos curtos reforçam essa percepção. No início de capítulos ou seções, use parágrafos curtos para incentivar o ritmo e o engajamento inicial do leitor. Em capítulos longos, interlúdios ou descrições breves ajudam a manter a motivação. Parágrafos curtos transmitem uma sensação de progresso rápido, estimulando o leitor a continuar a leitura até em cenas de transição. 9. Estilo Narrativo e Personalidade A Psicologia da Leitura (Rayner et al., 2016) aponta que o estilo do autor influencia o engajamento do leitor, e alinhá-lo às expectativas do público melhora a recepção da obra. Narrativas introspectivas exigem parágrafos mais densos, enquanto thrillers e cenas de ação se beneficiam de parágrafos curtos e dinâmicos. Ajustar o estilo ao gênero literário torna a leitura mais imersiva e alinhada às expectativas do leitor. O equilíbrio entre estilo, gênero e público-alvo é essencial para criar uma experiência narrativa envolvente. 10. Recompensa com Ganchos De acordo com o Modelo de Retenção Narrativa (Green e Brock, 2000), o leitor tende a continuar a leitura quando recompensas (resoluções parciais) são combinadas com novos ganchos narrativos. Finalize parágrafos com uma conclusão clara que resolva uma questão, mas introduza uma ideia ou pergunta que estimule a curiosidade para o próximo trecho. Essa técnica é especialmente eficaz em capítulos finais ou pontos de virada, onde o objetivo é manter o leitor preso à narrativa. Evite encerrar completamente um assunto sem abrir espaço para o próximo, pois isso pode diminuir o ritmo da leitura. A combinação de resolução e antecipação mantém o engajamento e a fluidez do texto. Junto com o Efeito de Zeigarnik, isso com certeza faz parte dos 10 mandamentos da escrita criativa. 1 linha ou 1000 linhas, eis a questão Após esse estudo sobre como estruturar seus parágrafos, você ainda tem dúvida? É perfeitamente compreensível. Isso se deve porque realmente não há uma distinção clara sobre isso. Se analisarmos uma obra como um todo, mesmo que a maioria dos parágrafos sejam de 2, 3 ou 4 linhas na tela do celular, não é proibido que existam parágrafos que ocupe a tela toda ou parágrafos com uma ou duas palavras somente. Esse fenômeno faz voltar sempre à questão “Por quê?”. Todos os parágrafos devem possuir o porquê de seu tamanho. Por que é curto? Por que é longo? Por que tem 2 linhas? Por que tem 50 linhas? Vamos ver um exemplo: “Coloco minha determinação em ordem. Saio de casa. Aproximo-me da estação. Reúno coragem para passar pelas catracas. O trem chega. Reúno mais coragem para entrar. O trem chega à próxima estação. Reúno força para descer. Antes de sair pela catraca, novamente junto minha coragem. No caminho entre a estação e o portão da escola, a cada esquina dobrada, a cada poste ultrapassado, reajusto minha determinação para continuar avançando. Paro em frente ao portão da escola e meu coração dispara. O suor não para. Respiro fundo. Às vezes, preciso de vários minutos para isso. Quando consigo me acalmar, o medo toma conta de mim. Reúno coragem mais uma vez. Chego à entrada principal. Vou até o armário de sapatos. Em um dia ruim, o bullying já começa nesse momento. Se ainda não começou, é apenas um sinal de que estão esperando o momento certo para me pegar de surpresa. Com as mãos trêmulas, abro o armário. Reúno coragem para calçar os sapatos de uso interno. Para evitar que mexam neles, coloco meus sapatos sociais em uma sacola e os levo comigo até a sala de aula. Caminho pelos corredores. Cada estudante que passa por mim parece um inimigo. Sobressalto-me com qualquer um que me ultrapassa por trás. Tenho medo de que alguém esteja escondido nas sombras da escada, mas esforço-me para não demonstrar esse medo. Subo as escadas com cuidado. Se há alunas à minha frente, não subo. Não quero ser acusado de espiar sob suas saias. Chego ao andar da minha sala. Aqui, começo a ver rostos conhecidos. A maioria evita meu olhar com expressões desconfortáveis. No entanto, nunca posso descartar a possibilidade de novos inimigos. Se for um garoto, ele pode me empurrar. Se for uma garota, pode me acusar de assédio após me abraçar. Ainda assim, se eu agir de forma muito evasiva, isso pode virar motivo para novas acusações. Reúno coragem e sigo em frente pelo corredor, arrastando meus pés pesados. Mas quanto mais avanço, mais perto chego da sala de aula. A cada passo, meus pés parecem ainda mais pesados. Preciso reunir coragem novamente. Finalmente, chego à porta da sala. Não consigo estender minha mão para abri-la. Mais uma vez, preciso reunir coragem. Relembro a mim mesmo que, não importa o que encontre do outro lado, devo me manter calmo. Não devo me surpreender, me apressar ou me irritar. Com essas palavras, tento abrir a porta. Antes que eu consiga, alguém a abre primeiro, e minha mão só encontra o vazio. Até mesmo esse pequeno movimento pode virar motivo de risada. Finjo que nada aconteceu, com toda a coragem que consigo reunir. Os colegas de classe evitam meu olhar assim que entro. Reúno coragem. Murmuro um "bom dia". Não recebo resposta. Com coragem, verifico se minha mesa está intacta. Com coragem, espero o toque do sinal para o início da aula.” — Hazure Skill “Nigeru” de Ore wa Kyokugenteilevel nomama Saikyou wo Mesasu, Capítulo 38: Foi Assim que me Tornei um Recluso, Akatsuki Amamiya Esse parágrafo enorme é de uma webnovel, muito boa inclusive. Nessa obra o autor costuma apresentar parágrafos de ums ou duas linhas na maioria e com tom cômico e alegre. Após o fim do primeiro arco, o autor decidiu inserir o backstory do protagonista, e esse parágrafo me pegou de surpresa. Desprevenido, comecei a ler, mesmo assustado com o tamanho, pois eu já estava engajado na história e queria saber da continuação. Quem já sofreu bullying na escola pode sentir uma carga emocional enorme no trecho, pois reflete uma realidade que muitos já sofreram, assim como eu. A forma como o texto é disposto, a ordem e o estilo sugerem a representação dessa experiência, do quanto é desgastante e desumano a rotina diária de quem sofre bullying, do quanto parece interminável e dolorido o caminho percorrido todo dia de manhã. Em minha honesta opinião, o tamanho desse parágrafo se encaixou muito bem com o propósito. Mas não é por isso que você pode sair colocando vários parágrafos enormes na sua história. Até onde li, foi o único parágrafo grande que o autor colocou nessa obra, e isso sugere que faz parte do tema e da mensagem da obra. A questão toda é mais simples do que parece. Defina seu estilo baseado nas obras que você já leu, que você se inspirou e nas que você já escreveu. Esse estilo vai incluir a média de tamanho dos seus parágrafos. Você pode ter uma média de 1 linha ou de 10 linhas por parágrafo e tá tudo bem, desde que esse seja seu estilo e adequado ao público que quer alcançar. Analise também as médias das plataformas onde quer publicar, bem como os estilos. Você também pode se adaptar dependendo da editora, mas isso não deve afetar negativamente o conteúdo. E também não venha depois falar que “o Kamo deixou eu colocar quantas linhas eu quiser”! Um estudo sobre as médias de cada plataforma pode ser considerado, sim, na hora de formular o seu, como eu publiquei em outro artigo, mas o que eu queria falar é que essa não é uma regra rígida; nem regra é. Eu poderia ter começado este artigo com a origem histórica do parágrafo, mostrando pergaminhos e tals, mas isso você encontraria em qualquer outro site por aí. Prometi que aqui não trataríamos de ENEM e eu espero ter explicado todos os aspectos, ou ao menos a maioria deles, sobre a escrita de parágrafos do gênero ficção, sobretudo de webnovel. Obrigado por lerem e até a próxima.
- Coerência Textual
O que é coerência textual? “Ela, matou, pegou, Makima, chão”. Você entendeu algo nessa frase? Provavelmente, não, afinal são apenas palavras jogadas, sem uma linha lógica que as guie, mesmo que cada palavra individualmente carregue um significado, o conjunto delas não o tem. Ou seja, faltou o que chamamos de coerência textual. De forma mais formal, a coerência textual pode ser definida como: a conexão lógica e harmoniosa entre as ideias, frases e parágrafos em um texto, de forma a criar um sentido lógico. Responsável por dar sentido ao texto, a coerência é o fenômeno de estabelecer micro e macro relações lógicas no seu texto, de forma a fazer com que as novas ideias apresentadas complementem as ideias passadas, sem se contradizer. Assim, mesmo uma ideia ou frase aparentemente sem sentido quando analisada sozinha, pode ganhar um significado, se o contexto no qual ela se insere for coerente, por exemplo: “Leonardo e Letícia estavam jogando Mario Bros, quando a luz caiu. Sem opções para se entreterem, decidiram jogar um jogo sobre criar histórias. Funcionaria da seguinte forma, eles escreveram várias palavras aleatórias em pequenos pedaços, então um dos dois sortearia 5 palavras, já o outro teria que formular uma pequena história conectando as 5. — Ela, matou, pegou, Makima, chão — Leonardo leu com dificuldades as palavras escritas com a péssima letra da Letícia.” Assim, evidencia-se que a coerência é o que dá sentido à mensagem, por conseguinte a falta dela é o que torna um texto sem sentido. Por isso, para além de organizar os componentes linguísticos corretamente; é necessário estabelecer um contexto que una as ideias de forma lógica. Ou seja, além de estruturar uma frase corretamente do ponto de vista gramatical e sintático, ela também precisa estar dentro de uma lógica e precisa guiar o texto de acordo com isso. Em resumo, a coerência textual é o alicerce que sustenta a compreensibilidade de um texto, garantindo que as ideias se conectem de maneira fluida e lógica. Agora, para entender melhor como fazer isso, podemos dividir a coerência textual em algumas subseções. Como fazer um texto coerente? A não contradição. Para que um texto se faça coerente, ele precisa ter dentro de si conexões lógicas, ou seja, não deve apresentar contradições entre as próprias informações escritas nele. Portanto, é incoerente a frase: “Anne, no auge dos seus 24 anos, caminhava sem rumo, devastada por falhar em mais uma entrevista de emprego. Ao passar por um bar, desejou poder afogar as mágoas no álcool, mas ela ainda era menor de idade.” Dizer que uma personagem de 24 e chamá-la de menor de idade, são informações que se contradizem, dado o contexto padrão que a pessoa terá em sua própria cabeça, no caso, o mundo real. Claro, a frase voltaria a conter coerência, se fosse apresentado um contexto de um mundo onde a bebida alcoólica só pode ser vendida para maiores de 25. Nesse caso, a incoerência se faz bastante óbvia, correto? De fato, é incomum que um autor se contradiga dessa forma em um mesmo parágrafo, mas ao longo de uma história, principalmente uma muito longa, certas regras e informações apresentadas podem ser esquecidas. Ou o autor pode simplesmente perder o controle da obra, de forma que informações apresentadas anteriormente precisam ser ignoradas ou contraditas, para que ele seja capaz de mover a obra adiante. Nesse sentido, quanto maior o escopo e complexidade de um roteiro, mais é necessário cuidado com a coerência do texto no longo prazo. Principalmente quando falamos de mundos de fantasia, que quando mal pensados, podem acumular contradições ao ponto disso ser gritante. Outro motivo para contradição comum, é o descuido com descrições, em particular do cenário. Não é incomum encontrar textos amadores, onde o autor descreve o clima como sendo frio e, alguns capítulos depois, esquece isso e descreve um campo florido de primavera. O que é bastante comum quando se posta capítulo a capítulo, sem haver uma revisão da obra como um todo antes de postá-la, por isso tome cuidado. Também vale lembrar, que as ações das personagens também têm de ser coerentes, ainda que nesse caso, cada pessoa tem uma lógica interna própria, o que comporta contradições, contanto que a lógica interna da sua personagem seja bem pensada e se mantenha ao longo do texto. Ou seja, um personagem tridimensional pode e deve ter atitudes aparentemente contraditórias, mas a falha em encaixar todas essas peças corretamente, te deixará no fim com um personagem mal escrito. Além disso, obviamente personagens unidimensionais não devem apresentar essas contradições. Os tipos de coerência → Coerência sintática Um texto coerente do ponto de vista sintático, é aquele em que os elementos de uma oração são ordenados respeitando sua função e sentido, o que evita ambiguidade e mau uso de conectivos. Um exemplo seria uma frase escrita assim: “quando voltamos para loja, que o Marcos trabalha, não havia ninguém trabalhando”. Nesse caso, o pronome “que” está incorreto, pois ele é usado para retomar uma ideia anterior, mas não há o que ser retomado. O correto seria usar “em que” trazendo uma relação locacional entre as orações. → Coerência semântica As palavras carregam um significado e informações intrínsecas a elas e, para que haja um sentido na frase, ela não pode contradizer isso. Por exemplo, soa estranho dizer: “O jacaré voou para bem longe.” Jacarés não voam e as pessoas sabem disso, por isso a frase por si só não tem sentido. Claro, com um contexto próprio, o signo jacaré pode ganhar informações a mais, que deem sentido para essa frase, como sempre a coerência depende do contexto. → Coerência temática Refere-se a sequência temática dentro de um texto, ou seja, deve haver uma sequência lógica entre os assuntos abordados. Começar falando sobre o clima e, de repente, explicar sobre o estômago retrátil que as estrelas do mar usar para defesa, não faz sentido e é incoerente. → Coerência estilística Todo texto tem uma estilística própria, que está sujeita a vontade do autor, ao contexto comunicativo e a intenção do texto. Assim, é incoerente adotar uma estilística informal, se o texto estiver num contexto formal. Ou seja, seria estranho fazer uma personagem que se apresenta de forma muito formal e “certinha”, falando de forma extremamente coloquial, principalmente quando se comunicando com outra pessoa “certinha”. Da mesma forma, é incoerente adotar uma estilística voltada para o terror, se a intenção da obra for criar uma cena leve.
- Diferenças entre os Gêneros Literários e Ficcionais
Não são poucas vezes que vi, aqui na Novel Brasil, tutorandos e iniciantes no nicho de escrita confundindo esses dois termos que começam com “gênero”. Nessas situações, eu paro e penso: Por que eles focam tanto na primeira palavra e ignoram a segunda? Há certos desafios que forçam um professor e tutor a ignorar o resultado incorreto da conta e atacar o cálculo, a raiz, para resolver o que causa essa confusão. O comum é sempre trocarem o ficcional pelo literário, ou que só conhecem um e nem fazem ideia de que o outro existe. Então, para isso, que estarei criando esse artigo nada-curtinho para acabar com mais um dos desafios dos tutorandos na Classe F da NB. Aviso: Esse artigo repetirá muitas vezes o termo principal, invés de usar os variantes, para evitar maiores confusões. Então não estranhem a repetição contínua de “gênero isso” e “gênero aquilo”. Os Gêneros Ficcionais Vamos, então, começar com o mais tranquilinho, que é o gênero ficcional, mas segura aí, antes de falarmos sobre o que ele é, que tal sabermos o significado ou história por trás de “ficção”? A ficção é mais antiga que a própria literatura, uma vez que a ficção é tudo o que é imaginário, que foge da própria realidade. Podemos colocar da forma que, desde que o ser humano sentou em volta da fogueira para contar uma história da luta contra um animal imenso nunca antes visto até os efeitos especiais do cinema de hoje em dia, a ficção é esse mundo que só a nossa mente pode alcançar. Então, sabendo disso, o gênero ficcional, também conhecido por: gênero de ficção, fórmula de ficção e até mesmo ficção popular; é um termo usado no comércio de livros para obras de ficção escritas com a intenção de se enquadrar em um gênero literário específico, a fim de atrair leitores e fãs já familiarizados com uma convenção de coisas específicas. Que convenção é essa? Bem, colem comigo sobre a ficção científica. Uma coisa é você ler Frankenstein e outra é ler A Guerra dos Mundos ou ver Star Wars, ok? Todas elas são ficções científicas, mas seus subgêneros de ficção são bem diferentes, uma é sobre a velha ciência alcançar o feito de reviver um ser montado de cadáveres, outra é sobre alienígenas invasores na Terra e a última, que nem se passa na Terra, é uma guerra numa galáxia com outros alienígenas, naves e robôs. Isso são convenções dentro da ficção científica que criou seus subgêneros ficcionais: Ficção científica gótica (Frankenstein), Invasão alienígena (A Guerra dos Mundos) e Space Opera / Ópera Espacial (Star Wars). Assim como para com a fantasia — que podemos ter a fantasia científica, fantasia urbana, fantasia sombria, alta/baixa fantasia, e tantas outras milhares —, todos gêneros que criam e replicam convenções acabam por criar subgêneros novos. Por exemplo, o que já foi citado nesse parágrafo, muitas histórias de fantasias escritas num ambiente de cidade moderna criaram o subgênero fantasia urbana. Para facilitar uma conclusão, basta entender que gênero de ficção é aquilo que todos nós buscamos saber do que se trata o filme/livro quando perguntamos o “gênero”: ação, fantasia, terror, sci-fi, histórico, paranormal, realista, infantil, adulto, romance, criminal, e por aí segue infinitamente com os subgêneros de ficção. Se quiser coisas mais específicas ainda, recomendo ler o glossário de termos de escrita, lá é recheado dos gêneros e subgêneros mais únicos. É bom também ver que, assim como tem gêneros de ficção, há também os gêneros de não-ficção. A não-ficção visa apresentar eventos e informações reais com maior precisão possível, enquanto a ficção é tudo que é imaginário. Embora muitos livros de não-ficção ainda sejam sobre histórias, são muitas vezes dedicados a informar os leitores dos fatos. Aí nesses livros teremos alguns gêneros de não-ficção, como: biografia, autobiografia, história, viagem, filosofia, memórias, autoajuda, desenvolvimento pessoal, religião, e ensinos como ciência, arte, psicologia, etc.; sério, tem muitos. Para complementar ainda mais ao tópico do gênero ficcional, há o termo que a indústria e sites usam muito que são as “tags”, também traduzido como “categoria de gênero”. Não é propriamente um gênero, mas uma pequena parte dentro de um (sub)gênero de ficção, por isso “tag”. Exemplo de tag: “protagonista homem” / “protagonista mulher” ou “vingança” / “viagem no tempo”. Cada um desses exemplos não é um gênero nem subgênero de ficção, mas pode estar incluído dentro de um, como o caso de fantasias com uma protagonista mulher que volta no tempo para se vingar. Há um subgênero da fantasia definido para esse tipo de história? Não no ocidente — até onde eu saiba — mas há o gênero que chamam de Nidome no Japão que encaixa perfeitamente no caso, sendo majoritariamente feito em cima de obras de fantasia. Aperte na imagem para uma melhor visualização. Os Gêneros Literários Com isso dito, espero que nunca mais errem o nome, porque agora vem o bicho brabo. O gênero literário é uma categoria de composição literária, e é aqui que o povo confunde tanto. Claro, com o que foi dito anteriormente, ficou claro o termo correto, mas a problemática de pessoas se enganarem com “gênero” ainda permanece. A palavra gênero é uma categorização — um tipo de alguma coisa, no caso. Gênero de ficção é uma categorização de coisas dentro de uma ficção; gênero literário é a categorização de alguma coisa literária (de algo escrito). Pode parecer que ambas coisas são a mesma, mas não são — elas se interligam, se tocam, mas não são a mesma coisa. Para existir uma ficção, não precisa fazer parte de algo escrito, assim como um filme que pode ser reduzido em “filme de mitologia”, ou mesmo um sonho ou um pensamento do tipo: “sonhei que estava na guerra; imagina ser o maior soldado que já se viu”. A ficção pode ser escrita, mas não é sempre necessariamente, já a literatura é sempre escrita. O gênero literário está muito atrelado ao formato da obra, não tanto ao conteúdo, mas sim ao molde que é feito e que podemos analisar sobre aquele produto escrito. Enquanto o gênero ficcional se atrela a forma como podemos resumir o conteúdo de um livro/filme, o gênero literário está ancorado em como o livro foi escrito: com prosa ou poesia, talvez os dois juntos ou mistura dessas técnicas; é narrado em perspectiva ou busca uma reflexão através da voz do “eu” lírico, talvez nenhum dos dois, como é no caso dos textos teatrais. São essas coisas que vão nos dizer o gênero literário da obra. No caso, encontraremos apenas três (alguns diriam quatro, contando o argumentativo) gêneros: o lírico, o dramático e o épico-narrativo. Os dois primeiros serão breves, uma vez que não é o objetivo da Novel Brasil. O gênero literário lírico, ou apenas gênero lírico, trata-se das obras escritas em poesia, ou seja, os poemas. Para termos de comparação, a poesia é o que a prosa é para nós, o formato e a técnica de escrita. Na poesia, versos são cada uma das linhas que compõem um poema; quando montamos um bloco de versos, cria-se uma estrofe, o que para nós, prosadores, seria o equivalente a um parágrafo. Exemplo: O Deus-Verme de: Augusto dos Anjos (1º verso) Fator universal do transformismo. (2º verso) Filho da teleológica matéria, (3º verso) Na superabundância ou na miséria, (4º verso) Verme - é o seu nome obscuro de batismo. (1ª estrofe) Jamais emprega o acérrimo exorcismo Em sua diária ocupação funérea, E vive em contubérnio com a bactéria, Livre das roupas do antropomorfismo. (2ª estrofe) Almoça a podridão das drupas agras, Janta hidrópicos, rói vísceras magras E dos defuntos novos incha a mão... (3ª estrofe) Ah! Para ele é que a carne podre fica, E no inventário da matéria rica Cabe aos seus filhos a maior porção! (4ª estrofe) Como o objetivo aqui não é explicar sobre rimas, versificação, dos nomes das estrofes por quantia de versos, metrificação, etc., foquemos no que essa técnica resulta quando vira uma obra literária. Uma obra no gênero lírico acaba criando subgêneros dependendo do seu conteúdo: poema, canção (a letra de uma música é escrita em poesia), um livro de poesias, ode, elegia, epitalâmio; e os nomes complicados continuam... Esse gênero explora muito a musicalidade das palavras (não sendo à toa o motivo de ser assim que compõe as canções), as emoções e os sentimentos. Pode ser bem-vindo também ressaltar que a poesia acaba também “invadindo” outros gêneros literários, criando assim novos subgêneros que aparecem em todos gêneros literários: poesia épica (epopeia [guarde esse nome]) e a poesia dramática. No caso do gênero dramático, já se produz outras categorias de obras literárias. São textos escritos para encenações, performances de atores e/ou cantores. Você pode até ficar curioso sobre a técnica que esse querido usa para ser escrito, mas basta pensar um pouco que já chega na resposta: os dois, ou um só. Se o objetivo é apenas encenar, sem a parte musical, a prosa é o suficiente. Se for totalmente um musical, a poesia será a escolha. Mas se for uma obra que é tanto encenar quanto cantar? Os dois juntos. Aperte na imagem para uma melhor visualização. Então alguns podem ficar confusos como que pode usar as duas técnicas e não ser um dos dois ou ser apenas um. Isso porque não é só a técnica (prosa/poesia) que define o gênero literário, mas também a intenção do material. Fica claro que a canção é para ser encenada, assim como os diálogos (discursos diretos) são imediáticos de quem encenará. A lírica busca expressar musicalidade, emoções e sentimentos por meio da perspectiva do “eu” lírico/poético. Ela representa o resultado gerado pelo pensamento inicial que influencia a mente humana, dispensando a necessidade de personagens, um mundo ou tempo específico. Em contrapartida, o texto dramático se distingue de uma narrativa convencional ao incorporar recursos que são escritos para serem dados à vida no palco. A encenação, a coreografia, o figurino, entre outros elementos, convergem para transmitir mensagens ao público de maneira viva, sem a necessidade das palavras. Mas e o que ainda não falamos? O gênero literário épico-narrativo, ou apenas gênero narrativo, é o que mais nos interessa, romancistas e noveleiros de plantão. Comecemos, então, pela parte que é mais difícil de entender se você está vendo pela primeira vez — o significado de “épico-narrativo”, ou melhor, a história por trás. A primeira palavra “Épico” é advinda de um subgênero lírico, a poesia épica (epopeia); no entanto, o que ele tem de tão diferente que conseguiu criar um novo gênero literário? Bem, não é exatamente o que ele tem de especial, mas o que ele busca tratar como poesia. Épicos, antigamente, eram histórias heroicas, centradas sobre grandes aventuras, feitos e ações de personagens magnânimos em algum ponto da história, por mais que não fosse de fato a representação real do nosso mundo. Para um bom entendedor, meia palavra basta, né? Se subirem e olharem como a lírica é descrita, verão que a poesia épica tinha um caminho muito diferente do que é normalmente esperado da poesia. Ela contava uma narrativa, dessa forma, muitas pessoas viam nas epopeias um novo propósito. Ao mesmo tempo que isso ocorria, a prosa ganhava mais força entre o povão comum, já que a poesia era ensinada apenas para a elite. Bem, como é uma longa história essa parte da prosa vs. poesia (e que ficaria melhor em um artigo próprio), só saibam que, em resumo, basicamente a elite gritava poesia e fazia seus floreios com as palavras, enquanto o povão queria só saber das informações de uma vez, sem firula e joguetes de sentidos. Bem, como já deu para ver, a prosa virou a técnica padrão de escrita mais conhecida no mundo ocidental, enquanto a poesia continuou sendo para os “eruditos”. Claro, isso não foi de um dia para o outro, mas uns bons séculos contando histórias e escrevendo-as. Portanto, o que significa “épico”, além de “algo foda”? Bem, é meio bobo dizer, mas é o propósito das obras épicas: serem narradas… Ou seja, épico = narrativo. Hoje em dia é comum sabermos que as histórias que lemos vão ter: personagens, um mundo com sua própria história e um narrador; mas a poesia, que era a forma mais antiga de passar uma história, não tinha esse propósito, dessa forma, temos a criação do gênero narrativo. Logo, todas obras nesse gênero são trabalhos com propósito de acompanhar personagens, num enredo, dentro de um espaço e tempo únicos e com um narrador para focar em coisas específicas. Como a palavra “épico” ficou meio datada para os valores atuais, a melhor forma de nos ligarmos ao gênero é com a palavra “narrativo”, que tem o mesmo valor, mas com ideal diferente, e também podemos evitar a confusão com epopeias por aí. Depois que as epopeias começaram a serem escritas por prosa, acabou que esse subgênero literário ficou atrelado ao lado da lírica e narrativo, mas conseguiu criar diferenças marcantes e com distintas produções com esse objetivo de acompanharmos personagens. Os subgêneros literários que foram se criando foram as prosas curtas, que são os microcontos, minicontos, contos, já as obras com uma prosa de proporção maior seriam as noveletas, novelas e romances (novels). Vou evitar me aprofundar muito nos subgêneros narrativos do romance, mas, acreditem, são demais. Tem um artigo que fiz sobre a prosa de novel, onde eu falo melhor do nascimento do subgênero literário romance e o que se tornou nos dias atuais. Uma forma de exemplificar o que vou falar sobre isso de “modificar o molde de um subgênero literário convencional — no caso, romance/conto/novela — , é o exemplo abaixo, mas recomendo que leia o artigo acima para uma melhor compreensão. “Sou um escritor, produzi uma obra em prosa (escrita linha a linha), e ela passou de 45 mil palavras, se encaixando como um romance… O mundo é construído pela ambientação do século 18, num cenário que busca o medo, a ameaça, desolação, com eventos paranormais, digno de edifícios em ruína, ainda remarcados da Idade Média. Teremos mais do que um narrador, para recontar velhos mitos e um para acompanhar o protagonista, um padre que busca a verdade pelos casos do desaparecimento de órfãos, atormentado pelos seus próprios traumas.” Não é um exemplo muito honesto, mas funciona. Vejam que eu, já no exemplo, defino que é um romance, pelo padrão comum do subgênero literário, mas para encaixar em um tipo de romance específico, eu preciso analisar padrões comuns: o tipo de enredo, narrador e a forma de tratar os personagens. Com isso visto, consigo verificar o subgênero narrativo correto desse romance, que seria o romance gótico. Para ser mais específico ainda, se passasse com características de um país, digamos que a frança, então podemos chamar de romance gótico francês? Depende. Depende de como esses romances góticos franceses tratam também dos mesmos assuntos de enredo, tempo-espaço, personagem e narrador. E se o exemplo fosse sobre uma obra em prosa que tem o tamanho de um conto, então seria a mesma coisa para ele, encaixando como um conto gótico. Quanto mais características puxar de algumas obras, mais direcionado a uma caixinha específica será. É assim que funcionam os subgênero literários, ou para esse caso das caixinhas, os subgêneros narrativos. “Ah, mas não dá para inovar? Tipo, colocar alienígenas interdimensionais nesse conto gótico aí.” Claro que sim. Você pode acabar criando seu próprio subgênero, como seria o caso do H.P Lovecraft, com o seu terror cósmico. Aperte na imagem para uma melhor visualização. Repeteco final Então, para concluirmos a separação, a diferença entre gênero literário e o gênero ficcional é: Gênero literário é formulaico, ou seja, segue padrões e um molde comum, como a técnica escrita e o propósito do trabalho. Por exemplo, o narrativo vai usar a técnica de escrita da prosa e o propósito é contar uma história de um (ou mais) personagem(ns) num mundo através de um narrador. Quando esse produto se estende ou é minimizado cria-se algo entre: conto, novela ou romance. Se há características padrões de um autor sobre um desses subgêneros, então cria-se um conto (subgênero narrativo X), novela (subgênero narrativo Y) ou um romance (subgênero narrativo Z), como dito do romance gótico acima. Gênero ficcional é de cunho comercial, para brevidade de resumir uma obra ao público; normalmente são as características encontradas dentro do enredo, das quais podem ser das mais comuns, — como qualquer tipo de obra ter um protagonista homem — até para coisas mais complexas e únicas — ter um mundo de fantasia e lá haver resquícios de um passado ultratecnológico ou alienígena. Exemplo: o gênero ficcional do romance (esse aqui não é o subgênero literário, viu), que há subgênero como o do harém, slowburn ou adulto. O uso comum de gêneros ficcionais em romances/novelas/contos pode gerar subgêneros literários, ou mais especificamente, gerar gêneros narrativos? Sim. Lembrem-se que o primeiro (gênero literário) é para a demarcação dos produtos de um escritor, enquanto o segundo (gênero ficcional) é do comércio de livros, dedicado ao público. Elas são ligadas, mas não são a mesma coisa. O gênero ficcional do isekai, até alguns anos atrás, era apenas uma característica de uma obra, não o foco dela, mas acabou sendo replicada tantas vezes em diferentes produções que hoje em dia é possível encontrar até a categorização como subgênero narrativo do romance: “romances isekai”. Então, queridos escritores, eu, Rose Kethen, espero que tenham aprendido a diferença e que nunca mais errem isso!, senão vai dar ruim para vocês na tutoria!
- Semântica e seu Impacto na Narrativa
INTRODUÇÃO Já se pegou revisando uma cena tensa e pensando: “Como posso criar mais tensão nessa merda?” Bem, se você é como eu, isso provavelmente aconteceu uma hora ou outra, contudo, peço que não tema. Esse artigo tratará sobre isso e mais umas tantas outras coisas. Definições básicas de Semântica O poder das palavras! Semântica é o estudo das palavras e do significado que a elas está atrelado. O texto é o código pelo qual o leitor decodificará a mensagem que queremos passar, por isso que saber o impacto que uma palavrinha só pode ter é tão importante. Dizer que um dia ruim é a ruína de um homem é uma coisa, falar que Hitler odiava Judeus por ser rejeitado na faculdade de artes é outra totalmente diferente. Note que, num caminho, vou por uma abordagem mais genérica, com menos foco num único sujeito ou evento, enquanto, no outro, tem-se um foco claro, com uma mensagem ainda mais clara, por mais que o significado da primeira frase não fique claro na segunda. Por isso, temos que saber como vamos falar algo. Este é o segundo passo na criação de um texto, saber o que vamos falar é o primeiro, e por qual meio essa mensagem se espalhará é o terceiro. Ainda no estudo de semântica, temos a semiótica, que se dedica ao estudo dos significados. O significado é a parte do signo linguístico que representa a ideia transmitida, a ideia abstrata. É o conceito, a origem daquela palavra. Além do significado, tem-se o significante, que é a imagem acústica da palavra. Pode-se alterar toda a percepção de uma cena apenas usando do significante. A palavra “Rubro”, por exemplo, parece “Bruto”. Em essência, é a mesma coisa que carmim ou vermelho, uma cor, porém, o impacto que “Rubro” tem no leitor é muito mais agressivo que o tom tedioso do “vermelho” e belo e agradável do “carmim”. Em essência, quando usamos o significante para um significado, criamos no leitor uma imagem mental daquilo que está sendo dito, mudando assim a atmosfera e sentido do texto. Semântica na Sintaxe Semântica, como falei antes, é a parte da gramática que estuda o poder das palavras. Agora, como usar semântica na sintaxe? A resposta dessa pergunta é simples, mas complicada. Pense que nós temos o seguinte período: Na manhã de domingo, Etevaldo voltou para casa e encontrou o seu cachorro, Bilu, morto. Note que temos nela uma oração coordenada aditiva. A aditiva dá ideia de continuidade, de fluidez. Contudo, essa ideia é meio tediosa para uma notícia impactante e que mudará o sentido da narrativa, sendo melhor aplicada num relato. Agora, vamos alterar o período para uma oração subordinada adverbial proporcional: Numa manhã de domingo, à medida que se aproximava da casa, mais próximo Etevaldo estava de encontrar seu cachorro, Bilu, morto. Note que tem-se um tom muito mais tenso e final, dando ênfase na incapacidade de escapar desse destino cruel que era ver seu amado bichinho morto. Esse é um exemplo de como a mudança de uma oração pode simbolizar toda uma mudança no feeling do texto. Definições básicas de Narrativa Narrativa O que define a narrativa é meramente a passagem do estado A para o estado B. Essa é a definição mais básica que encontrará sobre o tema. Agora, para nos aprofundarmos mais, vamos supor que há um narrador de terceira pessoa heterogênico. Este tipo de narrador é caracterizado pela exatidão dos fatos e ausência de conexão pessoal com a estória. Contudo, apenas por não haver conexão, não quer dizer que não há uma voz narrativa. Um dos objetivos desse artigo é justamente auxiliar os novos escritores a encontrar essa voz. Quando se tem um narrador indiferente, temos uma difícil tarefa de deixar o nosso conto mais interessante. É possível, apesar de ser difícil. Instância narrativa Tem-se, na narrativa, o narrador. Isso é meio óbvio. O que não é muito óbvio é o nome da junção que temos de Perspectiva, Atitude, Voz e Função. É chamado de Instância Narrativa, sendo a salada de fruta da junção desses quatro aspectos. Agora, o que são eles? Bem, como diria Jack, o estripador; vamos por partes. Perspectiva é a maneira como a narrativa é apresentada ao leitor. Alguns acham que se trata das pessoas narrativas, mas isso está errado. Enquanto tem certa relação, não é a mesma coisa. Perspectiva trata de coisas como o conhecimento do narrador, qual o viés narrativo, manipulação de informações, etc. Um narrador precisa apresentar um grau de consistência do início ao final. Claro, a menos que o narrador seja um personagem que ficou louco. Atitude refere-se a disposição, percepção e perspectiva assumidas pelo narrador ao longo da obra em relação a estória e personagens. Isso quer dizer que ela pode ser desde objetiva até parcial. Lembre-se que, desde que fique bom, tudo é permitido na narrativa. Voz é o ponto de vista, a pessoa narrativa. É aquele que guia o leitor através da narrativa. Há quatro vozes atualmente, sendo elas: Primeira, terceira, segunda e quarta. E, finalmente, Função. Esta é a parte que se preocupa com o que o narrador vai fazer e quando vai ser feito. Coisas como transmitir emoção; comentar sobre a ação; criar atmosfera e tom; tudo entra aqui. Em essência, são as ferramentas que nós, autores, podemos usar para tornar o nosso narrador, e, como consequência, nossa estória, mais interessante. A junção de todas essas coisas é o que faz seu narrador. Antes de escrever sua estória, primeiro pense nesses quatro aspectos, para não ficar limitado demais ou ter de reescrever o texto inteiro. Narrativa de Gestalt A psicologia de Gestalt é um conceito que já apresentei em outro artigo, mas aqui vai: É a corrente de pensamento que se baseia no estudo que classifica as percepções da pessoa como um todo e não como a soma de suas partes. Agora, como isso é aplicado na narrativa? Simples. Em essência, pense que uma cena acaba com o protagonista voltando para casa e a cena seguinte começa com ele em casa. Não é necessário narrar todo o caminho de volta, visto que o leitor consegue assumir que o que houve ali foi sem importância. Há formas de aplicar a Narrativa de Gestalt para tornar sua estória envolvente, mas vamos tratar disso mais para frente. Narremas e Funções internas Narrema é a unidade de ação mínima. Pense nele como o morfema. Assim como o morfema é a menor partícula numa palavra, o narrema é a menor partícula de uma narrativa. É uma ação pequena e sem grande importância, mas importante o suficiente para estar numa cena, pois, sem ela, a cena perderia sentido e impacto. Já a função é a unidade de ação que compõe um elemento da cena. Em essência, ela se divide em funções nodais e catálises. As nodais são ações nucleares de uma narrativa, que a fazem avançar. Já a catálise é o momento de pausa, onde o autor toma o tempo para explicar algo ou dizer o estado emocional dos personagens ou descrever algo ou alguém. Semântica aplicada em Artifícios narrativos Pacing Pacing é nada mais que a quantidade de tinta num capítulo, ou seja, é a velocidade com que as coisas se desenvolvem. Pacing existe tanto como um indicador de gênero quanto modulador de tonalidade, onde textos mais emotivos normalmente possuem mais pausas, catálises, para que haja mais aprofundamento do leitor na cena. Da mesma forma, quando aplicamos a Narrativa de Gestalt, estamos aumentando a velocidade com qual o texto se desenvolve. Afinal, estamos elipsando uma cena inteira que é desnecessária para o fluxo da narrativa. Agora, como usamos semântica no pacing? Bem, como disse antes, Semântica é o poder das palavras. Essa força se manifesta de diversas formas — e veremos mais delas depois — e, no pacing, sua principal característica é mostrada quando trocamos as próprias palavras que usamos para algo mais longo, colocando informações adicionais que são desenvolvidas a partir dessas mesmas palavras. Uma narrativa é um conjunto de ações juntas por pontos-chave e, ao aplicarmos este artifício, estamos apenas alongando os fios de ações, colocando um ou outro ponto secundário no caminho, para manter o fluxo e evitar a perda de sentido. Um texto mais lento é um texto com mais carga emocional, o problema é quando essa carga não atinge o leitor, até mesmo passando longe de alcançá-lo. Dessa forma, precisamos usar da semântica para mirar direito essa arma e dar ao leitor o que lhe é de direito! A semântica, nesse caso, é como se fosse um regulador que aumenta a distância alcançada pelo atirador. Veja o exemplo: — Oi, Bobby — disse Natasha, olhando em meus olhos. — Oi, como vai? — Vou bem. — E o marido? Isso é um texto rápido, mas como deixamos ele mais lento? Mais tenso? Dessa forma: — Oi, Bobby — disse Tasha, olhando fundo nos meus olhos cor de esmeralda. Ela vestia a mesma roupa de sempre, com o mesmo olhar cansado e sorriso falso. Tentei sorrir também, feliz por encontrar uma velha amiga dos meus tempos de escola. — Oi, como vai? — Tentei parecer o mais natural possível, forçando-me a ver o lado bom das coisas. Esta era uma característica que muitos achavam admirável e me renderam o título de “Robert, o Otimista”. Era algo bem besta e que preferia que o pessoal do trabalho não soubesse disso tão cedo. Fingindo um sorriso uma vez mais, ela virou a cabeça para baixo, como se para esconder algo. — Vou bem. — Senti meu coração rachar com a voz trêmula dela. Sempre tive uma queda pela Tasha, sempre uma mulher bonita, com cabelo ruivo e olhos de um belíssimo azul elétrico. Era uma das minhas paixonites, assim como um dos meus maiores arrependimentos. Ter sido incapaz de a salvar, de a proteger sempre pesou nos meus sonhos. Mesmo agora, casado com uma mulher de sucesso, ainda não conseguia esconder os sentimentos que tinha pela Tasha. — E o marido? — Juro que tentei ao máximo manter o veneno fora de minha voz, tentei acalmar-me e manter o otimismo, mas como poderia? Como poderia manter um sorriso no rosto ao lembrar daquele monstro? Entenderam o que eu quis dizer? Notem que o segundo texto tem o mesmo sentido, porém há nele mais tensão, mais emoção e mais detalhamento. Além disso, tentei ao máximo manter as informações conectadas, sempre uma levando a outra. Esta é a essência da semântica no pacing, a capacidade de inserir informações sem perder a mão. Por isso que estudamos semântica, para ter certeza de que nosso texto, além de claro, será conciso e coeso. O poder das palavras se manifesta tanto em palavras únicas, com o mesmo significado mas grafia diferente, quanto a própria forma como ligamos múltiplas palavras, completando o sentido uma da outra e levando a uma forma maior. O todo é maior que a soma de suas partes, lembram? Pulso Pulso de enredo é quando colocamos num capítulo algo emocionante para manter o leitor entretido, normalmente acontece a cada quantidade x de palavras (depende da mídia, estilo e da carga emocional da informação). Em essência, é o que mantém o leitor com os olhinhos grudados no livro. Pode ser uma reviravolta, uma emoção que o personagem sente ou uma ação-chave, que muda a direção da estória. Para aplicarmos semântica nesse pulso de enredo, precisamos nos ater a emoção. Nós aplicamos isso normalmente quando queremos manipular a frequência que usamos o pulso de enredo. Pare para pensar da seguinte maneira: uma palavra tem uma etimologia (uma origem) e uma sonoridade (imagem acústica). Ao aplicarmos semântica no pulso, estamos usando a linguística para criar no leitor mais emoção. Ao usarmos a palavra “justo”, queremos dizer que a pessoa é, bem, justa. Contudo, quando queremos associar outra característica a ela, uma que deixe no leitor uma imagem fixa, podemos dizer que o personagem “possui moral e mantém uma ética espartana”. Note que estamos falando a mesma coisa, porém associamos ao personagem a palavra “espartana”, que traz a ideia de seriedade e disciplina, associada, normalmente, ao exército. Isso, num contexto onde ele está numa zona de guerra, faz o leitor associar, ainda que inconscientemente, o personagem a uma figura importante num exército. Isso ocorre pois há uma imagem coletiva de que pessoas importantes são sérias no que fazem. Em essência, com essa descrição, damos ao leitor a imagem de um comandante sério e justo, que cuida bem dos seus subordinados. Isso tudo nos permite introduzir um pulso com muito mais impacto no texto. Afinal, quando alguém tão sério e competente é o primeiro a quebrar, só mostra o quão desesperançosa é a situação atual. Cliffhanger Aos que não conhecem, Cliffhanger, ou gancho, é quando colocamos algo no final de um capítulo para prender a atenção do leitor. É uma tática muito usada para ter certeza que o leitor continuará lendo o livro, mesmo que já tenha lido cinco capítulos, um atrás do outro. Visto isso, como fazer para aplicar a semântica nesse tipo de técnica? Pense no seu capítulo na relação de um atleta com uma esteira. Você tem a esteira como o conteúdo do texto e o atleta como o leitor. Agora, imagine que a velocidade pela qual a esteira corre é o pacing da obra, com alguns goles de água como o pulso. Onde o cliffhanger entra? Bem, o Cliffhanger seria mais uma garrafa de energético que damos ao leitor depois de uns quatro ou cinco copos de água. É aquilo que renova a energia e interesse do leitor em continuar o exercício mental da leitura. O sabor desse energético, a fórmula dele e o quão bem ele cai no estômago são questões que podemos controlar através da semântica. Imagine-se lendo um capítulo onde o protagonista começa num trem em movimento e termina segurando um galho ligado a um penhasco, preso entre a vida e a morte. Enquanto é um exemplo tosco e muito utilizado, permita-me fazer uma pergunta para vocês, jovens escritores: “Por que o leitor deve se importar com a vida do protagonista?” Enquanto é uma pergunta cruel, insensível até, não podemos deixar de ver a importância dela. Normalmente, o protagonista é aquele que nosso leitor acompanha por maior tempo. Agora, digamos que você não tenha tempo para desenvolver o personagem? Digamos que começou a história no meio da ação, no clímax do clímax, e o conto se baseia em como o personagem chegou até aí. Como fazer para que o leitor se importe? Bem, assim como o Pulso, aplicamos palavras que tenham o mesmo valor que a situação presente. Desta forma: Quando penso na situação atual, vejo que desperdicei minha vida. É aqui que vou morrer? Preso num galho, no meio do nada? Patético. Esta era a melhor palavra que me definia. Um homem triste e covarde, que desperdiçou sua vida indo atrás do sonho de outros. “Aqui jaz Theodoro Martines, descanse em paz.” Isso sem dúvida estaria escrito na minha lápide e não podia reclamar. Quer dizer, nunca me arrisquei, nunca tentei brilhar, nunca fiz nada demais! As lágrimas caiam livremente conforme lembrava das várias telas brancas que podia ter pintado, ou daquela garota, qual o nome dela mesmo? Isadora? Não importa… Nada mais importa. O galho já começou a ceder e não demoraria muito para cair deste Zênite. Olhei para cima, amaldiçoando Deus pelo belo dia que fazia. Nenhuma nuvem no céu… um excelente dia para um zé-ninguém morrer. Ouvi o som das raízes rompendo e fechei os olhos, permitindo que a força de meu peso me afundasse. Conforme caía, peguei-me lembrando da minha infância… que desperdício. Bem, não acho que possa parar estas memórias. Sim, não podia pará-las e, conforme marchavam, uma me chamou a atenção, um sorriso tenro se abriu. Como viram, usei da ideia apresentada para criar uma situação onde o leitor fica interessado com uma quebra de expectativa. O elemento de um “sorriso tenro” nos remete a ideia de paz, carinho, amor; o que nos faz nos questionar o que poderia ter trazido a esse personagem, alguém que viveu uma vida sem sentido e que queria continuar vivendo, a paz que tanto queria. A semântica tem esse poder. Eu poderia só ter dito que ele sorriu, ou que sentiu paz, mas note que o elemento “Tenro” renova a vontade do leitor de ler e, a partir daí, nos permite começar uma história de como ele chegou até aquela memória, mantendo o interesse do leitor até o final do terceiro ou quarto capítulo, onde incluiremos o Cliffhanger a cada dois capítulos para fazer o leitor virar as páginas até o fim, onde Theodoro Martines enfim cairia para a morte. Uma palavra pode mudar todo um texto, de forma que aquilo que era chato e desinteressante acaba tornando-se uma faísca de potencial, que, nas mãos certas, desabrocha num enorme fogo, cuja intensidade é tamanha que é impossível desviar o olhar. Tensão semântica Tensão é um termo comumente associado ao enredo. A ideia está intimamente ligada ao estruturalismo, onde tem-se estruturas narrativas para manipular a curva de tensão e prender todos que leem o texto. A tensão deve ser, portanto, manipulada com cuidado excessivo, onde qualquer técnica pode ser usada. Nesse artigo, vimos vários conceitos práticos na aplicação de semântica dentro da narrativa, e isso vai continuar. Para aplicarmos semântica e manipularmos a curva de tensão, devemos pensar primeiro nela como um gráfico que sobe, com ocasionais quedas, até atingir o cume mais alto e disparar para o chão como resultado. A tensão é o resultado da relação do narratário com o conflito mostrado, o sentimento que o mesmo narratário sente ao ler um texto. Portanto, é simples aplicar a tensão em semântica ao escolher palavras que provoquem algum tipo de reação que amplifique ou quebre o sentimento que o nosso leitor tem com determinada cena. A semântica pode ser usada para diminuir ou aumentar a tensão. No primeiro caso, queremos usar palavras mais leves, que passem o sentimento de que está tudo bem, que o conflito aparentemente terminou. No segundo, usamos do conhecimento do gênero que escrevemos para escolher qual linguajar usaremos, usando de palavras que passem bem a sensação do que está acontecendo, tanto na imagem acústica quanto na relação significativa. Quando falo de imagem acústica, digo como a palavra se parece, o que ela lembra. Pode-se falar “grande” para algo, bem, grande, mas também pode-se usar “colossal” para uma figura humana com alturas desproporcionais, ou “mastodôntico” para alguma besta imensa. Note que ambas evocam imagens diferentes com base na raiz delas, de onde elas vem. Colosso para colossal e mastodonte para mastodôntico. Como tudo nesse artigo, porém, lembre-se de usar de forma que não fique muito na cara, use uma vez a cada mil palavras, no máximo. Além da imagem acústica, tem-se também a relação significativa por detrás desta palavra. Nisso, nós lidamos muito mais com a relação de significação dentro do texto. Como relacionamos as palavras de cada parágrafo para podermos aumentar gradativamente a tensão a cada linha lida. Invés de focarmos em usar os significantes (imagem acústica) de forma explosiva, usamos os significados constantemente numa mesma cena, buscando consistência invés de poder de mudança. Isso é especialmente efetivo quando se quer criar a sensação constante. Para tal, é preciso um controle não só semântico, como também sintático, usando de cada termo numa oração para definir o sentido do texto. Orações subordinadas adverbiais conformativas são mais rápidas que coordenadas adicionais, por exemplo, pois são duas informações sendo apresentadas quase que ao mesmo tempo, quase que numa mesma oração. Este artifício, por ser muito mais sútil, pode ser usado mais vezes pois não são todos que reparam nisso, desde que liguemos as orações de forma que não se repitam mais de uma vez a cada três parágrafos, pouquíssimos leitores vão perceber, e, mesmo os que perceberem, precisarão procurar por essa informação. Voz através da semântica Voz nada mais é que a forma que o leitor tem de identificar quem está falando/narrando. A forma como aplicamos a semântica nisso, portanto, é simples. Dialeto. Quando se tem um personagem ou narrador que fala através de uma linguagem específica, tem-se também uma imagem mental, formada no inconsciente do leitor, de quem está falando. Um caipira, um político e um homem comum tem formas diferentes de se expressar e podemos usar disso para criar a voz. Conclusão Vê-se, portanto, a importância da semântica dentro da narrativa. Não se pula essa parte e nem nenhuma outra quando se inicia os estudos, fazer isso fará com que aprenda errado e tornará muito mais difícil no futuro corrigir este erro. Dito isso, nos vemos num próximo artigo.
- Organize seu tempo! – Saiba o que não pode faltar na sua rotina de escritor(a)
Ao longo dos meus anos de aprendizado de escrita, houve momentos em que, devido a situações externas, fui me distanciando do ato de escrever e me aproximando do ócio e da frustração que era não conseguir fazer aquilo que eu mais gostava. Procurei em vários artigos de escrita e materiais de estudo, mas nenhum deles falava sobre o problema que eu estava enfrentando e tampouco me ensinavam a como sair dela. Quando estava prestes a aceitar que o problema era eu, uma discussão em um servidor de escrita me fez perceber que havia mais pessoas sofrendo do mesmo mal que o meu e que existia um tópico no ramo da escrita que ninguém nunca explorou — ou que era pouco comentado. Foi então que abandonei a pressão, que coloquei em mim mesmo, de me especializar em um ramo da narrativa para me dedicar a algo novo, que posteriormente teria conhecimento de que se tratava de algo chamado pré-escrita. Ela engloba tudo o que um escritor faz antes de iniciar o primeiro rascunho, e isso leva a determinar o tema pretendido, organizar os Plot Points e estabelecer personagens. O primeiro estágio do processo de escrever geralmente envolve o brainstorming, o planejamento, o mapeamento, a pesquisa e o esboço. No entanto as pessoas costumam pular a etapa mais importante: o planejamento. Você precisa organizar o seu tempo e espaço, e por isso, neste artigo, nós falaremos sobre rotina e espaço adequados para escrever. O lugar perfeito para mim é nos jardins de um castelo japonês ao pé do Monte Fuji, usando quimono, sentado aos pés de uma sakura, com um bom matcha, escutando Música Tradicional do Japão em loop… Bem, eu nunca estive em um lugar como esse, o que me faz pensar que não vale a pena perder tempo procurando pelo lugar perfeito… até porque ele não existe. Existe, no entanto, lugares “impossíveis” de se escrever. Já escrevi em ônibus, carros, durante as aulas — não recomendo, desculpe-me professores… — e posso te dizer que o pior lugar para se escrever… é dentro de casa. Para um lar se transformar em uma prisão, basta um problema. Pais em processo de separação, brigas entre familiares, um ente querido com a saúde debilitada… enfim, situações assim vão te deixar tão pra baixo que você não vai sentir vontade de escrever — ou sequer fazer algo. Por isso, em casos desse tipo, recomendo que você saia de casa para escrever em um lugar mais afastado de onde você mora e mais tranquilo, como um parque, uma praça, uma cafeteria, etc. A ausência do convívio com aquele problema vai te fazer esquecer dele por um certo momento. Porém, caso você esteja passando por nenhum problema em casa, o ideal seria você evitar cômodos onde você costuma passar a maior parte do tempo, como o seu quarto ou o sofá da sala de estar. Tente escrever em uma parte de sua moradia que seja confortável e que você passa pouco — ou nenhum — tempo nela, como uma sacada — caso você more em um apartamento — uma varanda, um quintal, a mesa da cozinha — fora dos horários de refeição, claro — etc. Assim, sempre que você for nesses lugares, seu cérebro vai assimilar eles com a atividade de escrever. E, por fim, caso você se sinta confortável em casa e no seu quarto, e não tem outro lugar para ir, então lhe recomendo duas coisas: evite escrever sentado na cama e escreva em uma escrivaninha no canto do seu cômodo. Um serve para dormir e vadiar, enquanto o outro, para trabalhar e ser proativo. Dito tudo isso, o lugar adequado para escrever deve ser calmo e com o mínimo de distrações. O ideal é que você tenha uma mesa para escrever de forma confortável, mas, na verdade, qualquer lugar serve. Acostume-se; dias ruins, sempre cheios de imprevistos e surpresas desagradáveis, acontecem. Você pode acordar com o pé esquerdo, levar um bolo do(a) muso(a) inspirador(a), ter uma crise de enxaqueca, enfim, coisas terríveis podem acontecer, e nem sempre você vai querer escrever. Isso é normal. Nesses dias, você terá 2 opções viáveis: se forçar a escrever ou escrever menos que o planejado, mas o importante é não ceder facilmente e não se acostumar com esses dias ruins, como se você estivesse torcendo para que eles acontecessem e você tenha uma boa desculpa para não poder escrever. Portanto, na dúvida, escreva um pouquinho, mas escreva. Quando estiver em um dia desses, exercícios de escrita são úteis para o combate e prevenção de bloqueios criativos. Nos servidores da Novel Brasil, contamos com dois eventos diários: o escrita criativa e o rinha de escrita. Cada um deles vai além de preparar os seus músculos da escrita e desenvolver o seu estilo. O escrita criativa consiste na capacidade de elaborar um texto interessante, fugindo do óbvio, que segure o leitor até o fim e ainda o deixe satisfeito com os minutos gastos na leitura. Isso é sinônimo de fugir de formas engessadas e apostar em analogias, nas figuras de linguagem e em uma história cativante. Em contrapartida, writing prompts, ou "propostas de escrita", são pequenas descrições que propõem uma história a partir de requisitos próprios. Em outras palavras, a rinha de escrita te desafia a escrever uma história a partir de descrições inusitadas e criativas. Por exemplo: — Você deveria ter atirado duas vezes. Trata-se de uma proposta de diálogo, mas você é livre para escrever a história que quiser — desde que tenha relação com a proposta. As writing prompts vão além da sua zona de conforto, colocando a sua criatividade ao limite. Além disso, é uma boa oportunidade para experimentar novas vozes e ver o que mais combina com o seu estilo. Como inserir a escrita na rotina? Isso logicamente vai depender de como é o seu dia. Se você tem 5 irmãos pequenos, se dorme a tarde inteira, enfim, tudo isso deve ser manejado para que a escrita se encaixe em pelo menos dez minutos do seu dia. Pode ser antes de dormir, após acordar, durante o café, entre outras brechas do cotidiano. No início, planeje no mínimo 10 minutos e no máximo 2 horas. Planeje escrever todos os dias, no mesmo horário, e faça uma espécie de ritual para ensinar o seu cérebro que você está prestes a escrever. Em outras palavras, coloque uma música, desligue o celular — A MENOS QUE VOCÊ ESCREVA NELE! —, faça um chá ou apenas coloque um despertador para começar a escrever. No começo, é difícil, e até meio chato, mas com o tempo você terá mais facilidade para começar e sua escrita será cada vez mais fluida. É uma questão de tempo e persistência. Sobre estudar e trabalhar fora Aos que trabalham e estudam fora o dia inteiro, escrever quando chegar em casa é uma péssima ideia. Por isso, sejamos realistas: aproveite as brechas do tempo, sem sacrificar os seus descansos. Então escrever no transporte público, durante o almoço no refeitório da empresa, no intervalo entre aulas, ou somente aos finais de semana já são boas ideias para começar. Com o tempo, você verá o que deu certo e o que pode ser aumentado e também o que não repetir nunca mais. A realidade é que qualquer rotina pode ser ajustada ainda que um pouquinho, especialmente se você tem sonhos e projetos. Lembre-se sempre de que escrever um pouquinho já é escrever, já significa que treinou, que tentou, e isso fará toda a diferença na sua carreira literária. Tome o tempo que quiser para planejar a sua rotina e organizar o seu espaço de escrita. Fazer exercícios às pressas, de qualquer jeito ou simplesmente deixar pra lá, porque você "não tem tempo", é a garantia de que você não vai escrever cada vez melhor. O autor Kevin J. Anderson escreveu um artigo intitulado: "Se eu tivesse tempo", no qual ele critica as pessoas que sempre sonharam em escrever um livro, mas nunca conseguiram, porque não tinham tempo. Segundo ele, muitas dessas pessoas realmente acreditam que, se elas tivessem tempo, também seriam capazes de publicar e fazer muito sucesso. Mas a crítica desse autor se encontra nessa supervalorização do tempo, como se todos os bons escritores só são bons porque têm tempo de sobra. Uma pessoa que escreve bem é aquela que conseguiu, mesmo atarefada e cheia de responsabilidades, treinar a sua escrita e persistir no aperfeiçoamento de suas habilidades. Escrever não é só escrever, é planejar uma história, saber estruturá-la, pensar em enredos intrigantes, criar conflitos interessantes, construir personagens profundos e muito mais. Portanto, se nós não somos capazes de reservar 10 minutos para treinar habilidades, como esperamos conseguir publicar um livro, que envolve muitos outros fatores, além de ter tempo para escrever? Os exercícios que citei anteriormente, por exemplo, não são tão exigentes, e a ideia é começar com pouco para aumentar gradualmente. Em algum momento, todos nós começamos com pouco, como diz um famoso ditado: "A natureza não pula etapas." Por isso, volto a enfatizar o planejamento. Se for impossível encaixar a escrita em alguma parte de seu dia, recomendo a criação de um diário de bordo, a fim de melhorar sua experiência e obter um conhecimento mais amplo sobre o seu processo de produção textual. Diário de Bordo Diários de bordo são documentos, muito comuns em escolas, nos quais são registradas todas as etapas de um projeto. Neste caso, escrever um livro ou uma webnovel será o seu projeto, e o diário de bordo servirá como um registro de todos os capítulos realizados ou de exercícios feitos, diante de um bloqueio criativo ou um dia ruim. Soa meio infantil, mas a principal ideia do diário de bordo é manter as suas anotações em um lugar seguro, que não se perca com o tempo. Assim você poderá sempre se lembrar de como ocorreram suas tarefas, o que aconteceu, como você se sentiu, etc. Escrever em um diário de bordo vai exigir que você escreva por mais uns 5 ou 10 minutos, e isso pode ser inviável numa rotina apertada. Mesmo assim, veja algumas vantagens de manter esse projeto paralelo. Autoconhecimento Quando você escrever em seu diário de bordo, registre todas as etapas da sua produção. Quanto tempo demorou para fazer, se você procrastinou, se se sentiu ansioso, entusiasmado, cansado, entre outros detalhes pessoais. Com tais registros, você terá acesso à emoções e atitudes que acompanham a sua escrita e que podem ajudar ou atrapalhar o seu processo. Gradualmente, você se conhece melhor e pode pensar em caminhos para intensificar ou diminuir partes da sua personalidade. Facilidades e Dificuldades Além do autoconhecimento geral, você também é capaz de identificar facilidades e dificuldades do processo. Escreva se o exercício foi mais difícil ou fácil do que o anterior e lance hipóteses sobre isso. Talvez você descubra que possui mais facilidade em construir personagens do que mundos, por exemplo, ou perceba que escrever pela manhã foi mais fácil do que à tarde. Identificar facilidades e dificuldades é o primeiro passo para aprimorar o seu comportamento diante da escrita, além de saber o que deverá ser estudado com maior profundidade no futuro. Reflexões Futuras Será possível refletir sobre projetos futuros. Se você está pronto ou não para escrever um livro, se percebeu uma melhora na escrita, se gostou ou não da experiência, entre outras reflexões. Escrever em Dias Ruins Por mais que escrever no diário de bordo seja aumentar o tempo de escrita na sua rotina, caso você esteja em um dia ruim, você poderá apenas escrever no diário de bordo e deixar o exercício pro outro dia — Desculpe, Dob… Novamente, escrever um pouquinho já é escrever, e registrar no diário de bordo que você está em um dia ruim já é um valioso registro para suas reflexões futuras. Não deixe de falar um pouco sobre o seu dia e todos os fatores que podem ter influenciado a sua escrita para o melhor ou para o pior. Isso poderá te ajudar a identificar os melhores e piores dias para escrever, no futuro. Onde escrever? Bem, não há um lugar específico. Você pode escrever em um diário de verdade ou em um bloco de notas. Criar o diário de bordo em um local novo e exclusivo pode aumentar as suas chances de valorizar o projeto e dar a atenção que ele merece. Experimente escrever após cada capítulo ou ato feito, ou cada exercício. Finalmente, chegou o grande momento de finalizar o projeto do diário de bordo e refletir sobre toda sua trajetória até aqui. Mesmo que você tenha pausado ou dropado o projeto, a reflexão será possível, ainda que um pouco menor. Tenho certeza de que todo o tempo que você aproveitou para escrever, apagar e reescrever fizeram toda a diferença no seu hábito e no aprimoramento de suas habilidades. Isso, é claro, se você de fato escreveu. Sem a sua escrita diária, sem sua parte, seu projeto é 100% inútil. Por isso a ideia de elaborar um diário de bordo, porque, dessa maneira, você terá para sempre uma espécie de relatório de todas as suas atitudes, emoções e impressões ao longo do projeto. Eu não farei nenhuma interpretação mirabolante nem diagnósticos fantásticos. Esse diário de bordo é seu, e você deverá refletir sobre ele. Fonte: https://www.udemy.com/share/101y9W3@y6eRvep8fiBApy54TvG6- PMliVpHwykZtze2oG5LBpi90rPfxFa2Zk05pz-aDnUi_w==/
- Como Gerar Empatia em Seus Leitores.
Uma das maiores dificuldades que o ser humano tem é a de expressar os seus sentimentos. Seja pela timidez ou até pelo medo de ser rejeitado ou ridicularizado, muitos não conseguem colocar em palavras aquilo que sentem. E na escrita não é diferente. Já vi vários e vários casos de escritores relatando que escreveram um texto sem emoção ou que não sabem transmitir emoção para o leitor. Por não conseguirem realizar aquilo que torna a literatura bela, alguns acabam chorando de angústia, de raiva de si mesmos, e pensam em desistir da escrita, se sentindo imprestáveis. Mas não se desespere, caro escritor(a), pois eu trago a solução! Você não precisa encher a cara para desabar os sentimentos numa folha de papel — tampouco ligar para o(a) ex, dizendo que está com saudades. Basta ler este artigo até o fim e tomar nota das dicas de escrita emocional que eu separei para vocês S2 Dica 1: Cinco Sentidos Por ser os olhos do leitor, é preciso utilizar as mais variadas ferramentas para ilustrar a história e não cair no principal erro do: "mostre, não conte", que é justamente contar a história sem elementos visuais ou exposições acuradas. Em outras palavras, histórias ruins contam sobre o que está acontecendo, enquanto histórias boas mostram o que está acontecendo. É claro que nem sempre — e é bom deixar isso claro — é possível mostrar o que está acontecendo, gerando novas ferramentas de descrição e exposição de cenas e conflitos. Assim, fazer uso dos 5 sentidos para descrever eventos, emoções e até revelar a personalidade dos personagens é um bom método para escapar de histórias ruins. Por exemplo, em vez de escrever: -> "Maria cheirou a flor e ficou feliz." Você pode estimular o olfato da seguinte maneira: -> "O aveludado aroma da flor desabrochou um sorriso entre seus lábios." Abordar os cinco sentidos não é sinônimo de escrever somente: "ela viu, cheirou, ouviu, provou ou sentiu." Faça uso de adjetivos na medida certa e crie um intercâmbio entre os sentidos. Nada te impede, por exemplo, de dizer que o aroma da flor é aveludado, ainda que o veludo seja sentido por meio do tato. Esse intercâmbio é o que, na Estilística, chamamos de Sinestesia e pode ser enriquecedor para a prosa. Mas na medida certa! Se não, caímos na ribanceira da prosa púrpura, que é tão florida que perde o sentido. Sabe aquele ditado: "se melhorar, estraga"? Pois é, esse é o real significado da prosa púrpura. Dica 2: Ansiedade e Apatia Como definir o ritmo da narrativa? Como escrever acontecimentos mais rápidos e mais lentos? O ritmo é o andamento da sua história. É um conjunto de acelerações e desacelerações que você escolhe para caminhar até o final da trama. Certos eventos exigem ações alucinantes e reações imediatas, como uma perseguição policial, por exemplo. E outros eventos pedem por longos momentos de pausa para maior atenção aos detalhes, como um romântico beijo, por exemplo. Quando estamos falando sobre ansiedade, o ritmo da narrativa tende a ficar um pouco acelerado. Quase todo mundo sabe quais são os sinais e sintomas da ansiedade, certo? Taquicardia, pernas inquietas, roer as unhas, ranger os dentes, entre outros. Logicamente, todos eles mencionam um ritmo acelerado, o que já contribui para uma escrita menos enrolada e mais direta. Utilize o modo "mostre, não conte" a seu favor e não apenas diga que "a noiva está ansiosa", por exemplo. Mostre ao seu leitor imaginário — o narratário — que ela está ansiosa e faça com que ele mesmo chegue a esta conclusão. Acelerar a narrativa não significa atropelar os acontecimentos e apressar os personagens. É tudo uma questão de sensibilidade. Você não precisa escrever sobre quanto tempo demorou a cena anterior, ao passo que não é recomendado ficar pulando grandes espaços de tempo para chegar ao destino final. Acelerar a narrativa é escrever períodos mais curtos, utilizando menos vírgulas e mais pontos. Acelerar a narrativa é descrever com mais objetividade e urgência, deixando adjetivações e longas metáforas para depois. Acelerar a narrativa é investir em ações e menos em pensamentos ou longas divagações, relatando os fatos, sem enrolar. Por outro lado, desacelerar a narrativa é o exato oposto. Períodos mais longos, momentos reservados para escapar da trama principal, conflitos internos e descrição de sentimentos, maior atenção a pausas e assim por diante. Quando a narrativa é desacelerada, isso significa que o personagem principal está mais calmo, mas ele não pode ficar — DE JEITO NENHUM! — confortável. Conflitos devem acontecer o tempo inteiro e todos eles convergem no fim da história. Portanto, quando o enredo é desacelerado, você deve recorrer a outras ferramentas para manter o seu enredo vivo. Você pode iniciar outra perspectiva, contar a história de outra pessoa, descrever reflexões, etc., mas você não pode deixar a história morrer. Imagine descrever alguém indiferente, que não é capaz de sentir nada sobre o que está acontecendo ao seu redor. Para mostrar a apatia na prática, é interessante fazer um contraste de emoções. Coloque o personagem apático em uma situação que exija altos níveis de qualquer emoção, seja surpresa, tristeza, alegria, e insira personagens "normais". Assim, os personagens "normais" vão reagir de acordo com a situação, contrastando com a apatia do protagonista. Dica 3: Nojo Os detalhes fazem toda a diferença. Se eu te contar que meu cachorro teve que parar no veterinário por causa de uma marca específica de sabonete, é provável que a sua imagem sobre essa marca seja manchada com o meu comentário, dependendo também de como é a minha credibilidade. Porém, se você descobrir que eu escondi o fato de que meu cachorro comeu o sabonete, nós teremos uma clara mudança na visão do acontecimento. Detalhes como esse não deveriam passar despercebido, mas é certo de que nossa perspectiva sobre muitos fatos e fenômenos é fortemente influenciada pela forma como nós verificamos as informações. Focar no detalhe do cachorro que passou mal e esquecer que o produto foi usado de maneira 100% incorreta revela a intenção da interlocutora, provavelmente com a intenção de manchar o nome da empresa. Porém, na ficção, privilegiar alguns detalhes em detrimento de outros é uma ferramenta para direcionar a atenção do leitor para a emoção ou perspectiva que você quiser. Isso é bem positivo, uma vez que escritores exageradamente enigmáticos podem ser um pé no saco porque você nunca sabe o que eles querem e do que eles estão falando. Mas não me entenda mal, um pouco de mistério não faz mal a ninguém — é lógico — e é bom quebrar a cabeça dos leitores para charadas e tramas complexas. Como eu já mencionei, a ideia nunca é entregar tudo mastigadinho para o leitor, mas sim convidá-lo a participar da aventura que você propõe. Caso queira provocar nojo no leitor, tente privilegiar alguns detalhes em detrimento de outros. Enfatizar os detalhes e utilizar adjetivos precisos é a chave para que o leitor seja capaz de imaginar a cena nojenta. Ainda que o leitor não tenha nojo, por exemplo, de pescar e não veja problemas em manusear minhocas e retirar anzóis de olhos de peixes, invista nos detalhes que causem nojo na personagem. Se o leitor sentir nojo ou não é uma questão pessoal. O importante é que a emoção esteja presente na narrativa, de uma maneira que vá além da frase: "fulano sentiu nojo." Ao seguir as dicas sobre como finalizar seu texto, você conseguirá transmitir sentimentos ao leitor, mas ficará em dúvida se as emoções transmitidas são aquelas que você queria transmitir, então lá vai uma dica bônus para vocês: O que fazer com o seu texto depois de escrito? Primeiro, você tem que saber se ele "funciona" ou não; se você deve gravá-lo em pedra ou usá-lo como papel de parede. Você precisa de algum tipo de retorno para ver se escreveu o que pretendia. Neste momento, você não sabe se ele funciona ou não; você não pode enxergá-lo; está muito próximo dele. Portanto dê seu texto a dois amigos, amigos próximos, amigos em quem possa confiar, amigos que lhe dirão a verdade, que não tenham medo de lhe dizer: "Detestei. O que você escreveu é fraco e irreal, os personagens não têm relevância, a história é forçada e previsível." Alguém que não tenha medo de ferir seus sentimentos. Você vai perceber que a maioria das pessoas não vai falar a verdade sobre o seu texto. Elas dirão o que pensam que você quer ouvir: "É bom, gostei! Realmente gostei! Você colocou coisas ótimas nele. Acho ele muito obtuso", o que quer que isso signifique. As pessoas têm boas intenções, mas não percebem que o ferem mais ao não falarem a verdade. Em Hollywood, segundo Syd Field, ninguém lhe diz o que realmente pensa; dizem que gostaram, mas "não é o que queremos fazer no momento presente"; ou "temos algo como isso em desenvolvimento". Isso não vai ajudá-lo. Você precisa de alguém que lhe diga o que pensa realmente de seu texto, então escolha cuidadosamente as pessoas para quem entregá-lo. Depois que elas o lerem, escute o que têm a dizer. Não defenda o que escreveu, não finja ouvir o que dizem e não alimente sentimentos de certeza, indignação ou mágoa. Veja se elas captaram a "intenção" do que você quis escrever. Ouça suas observações do ponto de vista de que podem estar certas, não de que estão certas. Elas farão observações, críticas, darão sugestões, opiniões, farão julgamentos. Elas estão certas? Questione-as; pressione-as. Suas sugestões e ideias fazem sentido? Acrescentam alguma coisa ao seu texto? Melhoram-no? Veja a história junto com elas. Descubra o que elas gostam, desgostam, o que funciona e o que não funciona para elas. Você quer escrever o melhor texto possível. Se você sente que as sugestões podem melhorar o texto, use-as. As mudanças devem ser feitas por escolha, e você tem que se sentir confortável com essas mudanças. Esta é sua história, e você saberá se as mudanças funcionam ou não. Se quiser fazer quaisquer mudanças, faça-as. Você despendeu vários dias trabalhando no texto, então faça-o direito. Mudanças são mudanças; ninguém gosta de fazê-las. Mas todos temos que fazê-las. Nessa altura, você ainda não pode enxergar seu texto objetivamente. Se quer outra opinião "só por segurança", prepare-se para ficar confuso. Se você o entrega para quatro pessoas, por exemplo, todas discordarão. Uma pessoa vai gostar do assalto ao Chase Manhattan Bank, outra não. Uma pessoa dirá que gosta do assalto, mas não do resultado do assalto (ou eles conseguem fugir ou não); e a outra perguntará por que você não escreveu uma história de amor. Isso não funciona. Escolha duas pessoas em quem possa confiar e seja feliz com suas primeiras impressões.
- Arquétipos de Personagem
Quando assistimos uma novela da globo, apreciamos um filme de Hollywood ou lemos aquele romance épico da Jane Austen, percebemos a presença de pelo menos três personagens: o herói, a princesa e o vilão. O herói normalmente é um galã gostoso, fodão para caramba, que salva a mocinha e derrota o vilão malvado. Este, por sua vez, é sempre perverso e sádico, divertindo-se toda vez que atira uma pedra no caminho do herói, mandando seus capangas à conta-gotas pra hitar. O vilão é aquele personagem com o traço mal-intencionado ou maligno do The Sims, com a habilidade travessura upada no máximo. Sobre a mocinha, creio que dispensa comentários. Ultimamente estamos com um grave problema nesse fantástico mundo da web-literatura. As personagens de vocês têm estado cada vez mais estereotipadas. Cada nova tendência que surge parece durar dois ou três anos, arrastando nossos pobres leitores em um marasmo de mesmice e tédio. Vai por mim, meu caro e minha cara, ler um estereótipo a primeira vez pode até ser divertido, igual a comer um pedaço de bolo recheado de brigadeiro, mas na décima, enjoa até mesmo o melhor dos glutões. Bom, agora você, escritor de webnovels ou mangaká, deve estar se perguntando: “Nossa, mas o que coelhinhos sarnentos isso tem a ver com arquétipos literários e como isso vai me ajudar a construir meus personagens?!” Ora, meu jovem e curioso escritor… Tem tudo a ver! Venha com o tio Petter aqui e vejamos se não. O que é um arquétipo? Um arquétipo é um conjunto de imagens primordiais que existem em nosso inconsciente coletivo. É o que o conhecimento humano ao longo de milênios e milênios concebeu em nós, de modo inato, sobre os conjuntos imagéticos mais comuns nos sujeitos com os quais convivemos, em sociedade, ao longo desse tempo. Faz parte do instinto inerente da humanidade de qualificar e classificar, afinal, foi esse o poder que Deus deu a Adão, não? Dar nome a todas as coisas. Calma, vamos explicar com palavras menos sofisticadas. Podemos dizer que o responsável por esse negócio de arquétipo é o psicólogo Carl G. Jung, dizem as más línguas que ele foi discípulo de Freud. Para melhor entender, temos que dissertar um pouco sobre a teoria da psicologia analítica de Jung. Não me matem, por favor. O Jung entende que os limites da consciência atingem o universo desconhecido, composto por uma parte do campo de nossas consciências que é simplesmente impossível de ser consumado. Ele divide o desconhecido em Desconhecido do Mundo Externo e Desconhecido do Mundo Interno, sendo este último o inconsciente. Esse tal inconsciente é muito forte, assumindo influência avassaladora em nossas vidas, influindo em nossas emoções e escolhas, sem que sequer saibamos disso. O Jung vai além e diz que esse tal inconsciente possui uma força criativa tão poderosa que cria o que entendemos por consciência. Não vem ao caso aprofundarmos, mas, resumindo, esse inconsciente pode ser dividido em duas camadas, sendo elas o inconsciente pessoal e o consciente coletivo. O inconsciente pessoal é como se fosse um receptor, sendo formado por tudo aquilo que já fora adquirido por cada um, de forma individual, ao longo da vida; contudo que o ego daquele indivíduo em específico não foi capaz de suportar e, portanto, reprimiu ou “esqueceu”. De modo diferente, o inconsciente coletivo é aquilo que não pertence a você enquanto indivíduo, caro leitor, mas à toda humanidade, pois é herança espiritual. É aquilo que inconscientemente você já nasce sabendo. É aí que os arquétipos entram. Ora, no geral, e quando estamos em grupo isso se torna notório, as pessoas tendem a apresentar comportamentos padronizados, percebemos isso em nosso dia a dia. Voltando aos grupos, há quase sempre a figura do líder, aquele que é mais proativo que os demais, mais comunicativo e normalmente sugere a direção a tomar para alcançar certo objetivo, seja ele os rumos que um mega-grupo de investimentos deve tomar para triplicar suas ações, ou então algo mais rotineiro, como estimular os amigos a ir em certa balada ou barzinho em uma sexta ou sábado à noite — eu era quase um especialista neste último, hehe. Bem como também temos a figura do bobo, que é aquele sujeito gracista do ensino médio que transforma a apresentação de sistemas reprodutores de biologia em um verdadeiro, porém péssimo, show de stand up; isto na minha época, ao menos. Pelo que sei, hoje em dia eles se tornam tiktokers. Notaram? Refletiram um pouco e perceberam alguém que conhecem e acaso encaixe nas roupagens que descrevi? Não? Ora, então vou citar alguns outros arquétipos comuns nos colegiais do Brasil. Tenho certeza que vocês já se depararam com a típica patricinha debochada, com o nóia, ou com o professor bonitão que as meninas ficam fofocando, com o nerd da sala… Estes são só alguns. “Arquétipo” vem da junção de duas palavras gregas; archein ou arché, que significa “original”, “início”, “arcaico”, “causa” ou “antigo”, a depender do contexto, e typos, que pode significar “padrão”, “marca” ou “modelo”. Juntando tudo fica o “modelo de algo”. São traços característicos da psicologia humana. Ou seja, padrões de comportamento que os sujeitos apresentam, como os descritos acima, afinal, segundo esta óptica, nós não nascemos como uma tabula rasa, nossa psique já vem viciada por todos esses anos de humanidade. Jung tirou a ideia de arquétipo de Sto. Agostinho, aliás, mas também não vem ao caso. Para não mais nos alongarmos, suporei que você, meu caro mago, já entendeu o que coelhinhos dentuços é um arquétipo, de onde vem e, portanto, resta-nos compreender o que ele faz. O que faz um arquétipo? Sendo, pois, os arquétipos ideias de comportamentos-modelo que observamos nas pessoas em nosso cotidiano, o que para a teoria junguiana se trataria de elementos inabaláveis do inconsciente, resta entendermos para que coelhadas serve esse tal archetypos. Isto é, o que ele faz. Para nós, o arquétipo será a premissa para o caráter de um personagem, para as circunstâncias que esse personagem encontrará e para os símbolos que sua história irá apresentar. Explicarei: Evidente que se lembram do líder corporativo e do bobo da sala, mencionados acima. Pois então. O líder carrega o arquétipo do governante, aquele que, com autoridade, dirige a alcateia para o bem comum, embora às vezes seja tirânico e deteste que contrariem sua vontade. Já o bobo carrega o arquétipo do… adivinhem, sim, do bobo. É aquele personagem, adivinhem, bobão, que faz piadinhas e traz leveza às cenas, apesar de ser meio louco e sem filtro às vezes. É o alívio cômico da obra. Percebam que aqui ambos remetem a traços de caráter. E a ideia é exatamente esta, pois é nisso o que consiste o que chamamos de arquétipos de caráter. Mas temos, também, os arquétipos de circunstância (ou de história) e os arquétipos simbólicos na literatura. Os arquétipos de circunstância/história se referem a premissas de enredo, isto é, que caminhos a trama seguirá. O que é bem diferente de arquétipo de personagem. Por exemplo, temos a missão, que consiste na busca de objeto fantástico, na satisfação de um objetivo que os personagens têm, como salvar o mundo derrotando o Maou, ou resgatar a princesa que se encontra presa na torre mais alta do mundo. Temos, além disso, o fim da inocência, em que o personagem recebe um ensinamento que marca uma transição, ou amadurecimento, de sua personalidade e/ou caráter, podendo ser ela uma experiência sexual, como o primeiro beijo de um nerd virgem, que agora passa a ser só nerd, ou uma tragédia, como a perda da mãe para uma doença incurável, et cetera. Já os arquétipos simbólicos referem-se a elementos textuais que estão escondidos no texto. Como a oposição de luz e escuridão, isto é, esperança e bondade vs. desilusão, desespero e maldade. Aqui entra também a numerologia, na qual três representa a Divina Trindade; o quatro, os elementos da natureza e o sete, os pecados capitais. Um exemplo concreto é a obra Sevens, na qual cada deusa acaba representando um número, o que reflete indiretamente no desenlace da obra. Nosso foco aqui são os arquétipos de caráter, já que são eles quem irão ajudar você, escritor peralta, a melhor construir suas personagens. Os tipos mais comuns de arquétipos de caráter Pois bem, vamos à parte que vocês estavam esperando, espertinhos. Ao todo, pela teoria junguiana, temos doze arquétipos principais. Debruçamo-nos sobre eles. I) O Herói. Talvez o mais clássico de todos. Aqui encontramos o protagonismo, a coragem e a vitalidade como traços primordiais da personalidade. O objetivo principal do herói é deixar uma marca. Deixar a sua marca. Isso com atitudes corajosas que visam o bem maior, chegando até o extremo altruísmo, oferecendo-se ao perigo como sacrifício pessoal para a salvação do mundo. O herói deseja dominar. Na mitologia greco-romana, o arquétipo do herói se encontra presente na figura do semideus. Exemplos não faltam: Aquiles, Ulisses, Hércules e Perseu, por exemplo. Homens que desafiam a natureza e o divino em prol de cumprir sua missão. II) O Mago. É aquele que as meninas avadacabrestas gostam. O mago é intuitivo, visionário e criativo. Transforma a si mesmo e ao mundo com seus poderes, sendo o objetivo principal a busca por poder, na forma de conhecimento. O mago também quer deixar sua marca. Aqui, importa mais o que está oculto, escondido de todos. Esse arquétipo visa a espiritualidade, as sensações, os pressentimentos e os presságios. O grande aspecto negativo do mago é a falta de praticidade que suas ideias por vezes podem carregar, eis que és deveras idealista, meu caro mago. Solidão e isolamento também são mazelas que você carrega. Às vezes o mago pode apresentar tendência para a manipulação, dificultando a formação de laços verdadeiros e facilitando seu isolamento. III) O Rebelde/Bandido/Fora da Lei. Se você também quer deixar a sua marca no mundo, mas o que importa para você é a liberdade extrema, na forma de libertação, então, meu amigo, estamos diante de um rebelde nato, criminoso, bandido, fora da lei, chame do que quiser!, afinal, você é livre. O rebelde gosta de questionar tudo e todos, provocar, quebrar regras. Ele quer transformar o que é obsoleto, o que acredita que não deveria existir. Derrubar o status quo. Seu grande defeito é, justamente, a forte tendência à autodestruição. Exemplo de rebelde é o protagonista do segundo volume de Mansão de Alamut. Jorg Ancrath, da “Trilogia dos Espinhos”, é outro exemplo clássico. Ele basicamente quebra qualquer regra que lhe imponham e usa ardis para vencer seus confrontos pessoais. Um ser ao mesmo tempo lastimável, odiável e carismático. IV) O Comum/Pessoa Comum. Falamos aqui dos famosos NPCs. São aqueles que visam somente pertencer e conectar-se a outras pessoas. Não precisam de destaque. Traços marcantes de sua personalidade são o realismo extremo e a simplicidade. Ele não quer impor-se a ninguém, apenas desenvolver-se com base no que é útil ao grupo. É um bom vizinho, um colega de trabalho gentil. Seu grande desafio é exatamente essa falta de destaque, consequência da falta de desafios. V) O Bobo da Corte. Esse aqui é o segundo pior de todos. Está na lista daqueles que buscam conectar-se a pessoas. Nesse caso em específico, o bobo visa dar prazer e felicidade aos outros com a própria alegria. Seus traços principais são a leveza e a espontaneidade. Tudo para eles pode ser motivo de chacota e gozo. O grande problema do bobo é que, por isso mesmo, acaba muitas vezes sendo raso demais, gastando quase todo o tempo com coisas chulas, sem se aprofundar em demasia nas coisas que, às vezes, requerem atenção. Um exemplo de bobo é o personagem Fool, de The Farseer Trilogy. Sim, deixarei em inglês porque o nome dele(a), traduzido, fica literalmente “o Bobo”. VI) O Amante. Esse daqui é o meu preferido, hehe. Fecha o grupo daqueles que desejam se conectar às pessoas. O amante é sensível, intenso e sensual. Apesar do nome, não necessariamente tem a ver com amor romântico este arquétipo, e sim personalização e, sobretudo, com o desejo de conexão emocional, querendo construir laços profundos. A estética é outro ponto forte do amante. O objetivo do amante é a intimidade, como falei. Ele tem um forte desejo de parceria, além de emanar atração e beleza. Infelizmente, às vezes o amante perde um pouco de si mesmo e da própria personalidade ao tentar enamorar a(s) pessoa(s) amada(s). VII) O Inocente. Esse aqui é o pior de todos. O inocente deseja segurança. Quer se sentir protegido, evita o conflito a todo o custo. De certa forma, é bem ingênuo, abrindo mão do que se importa pelo medo de perder a segurança. São otimistas, sonhadores, esperançosos, simples e, resumindo em uma palavra, positivos. O inocente é a representação da pureza. Acontece que, por acreditar demais na bondade das outras pessoas, o inocente pode acabar se dando mal. Apesar do objetivo louvável de uma vida feliz, o inocente vai encontrar como maior desafio essa falta de proatividade e estagnação, pois abre mão do próprio ego para não perder a segurança. VIII) O Sábio. O maior destaque deste arquétipo é a empatia. O sábio é lógico, verdadeiro e criterioso. Ele buscará sempre o verdadeiro conhecimento do mundo, balizando-se na razão. Ele deseja a plenitude, de modo que sua busca pelo conhecimento é também uma busca espiritual. A grande questão aqui é a falta de criatividade do sábio. Por ser deveras lógico, irá pautar-se pelo conhecimento que já tem, resolvendo os problemas com “receitas prontas”. Por ser bem detalhista e metódico, pode acabar se mostrando conservador nas ações, afinal, esforço desnecessário é ilógico. IX) O Aventureiro/Explorador. Aqui, parecido com o rebelde, o traço principal é a liberdade, mas de forma ampla. O aventureiro é ousado e independente, contudo não quer mudar nada, nem deixar sua marca no mundo, ao menos não de propósito, só está acostumado a atirar-se no desconhecido que tanto lhe fascina. Rotina para quê? É o arquétipo das pessoas autênticas. Seu maior medo é um dia acabar contentando-se com o que já tem, uma vida monótona de assalariado lhe causa arrepios de nojo. O grande desafio do aventureiro é a constante insatisfação. O espírito do aventureiro é um faminto insaciável. Além disso, tem grande dificuldade de assumir compromissos e criar raízes, por conta da instabilidade constante de suas vidas. X) O Governante/Imperador. Liderança, carisma, solidez e necessidade de controle são traços que encontramos no imperador. Ele deseja tornar o mundo seu súdito. Para isso, desenvolveu habilidades de comunicação e persuasão, sendo capaz de convencer multidões a segui-lo em uma guerra de conquista. Ele se dá muito bem diante de regras claras e adora multidões, afinal, todos ali são servos em potencial para servir-lhe numa bandeja as suas ambições. O desafio do governante é a flexibilidade e a dificuldade em delegar, afinal, delegar significa abrir mão de parte do controle das coisas. XI) O Arquiteto/Criador. Imaginação e arte, inspiração e inovação. As características do arquiteto apresentam uma interessante relação de causa e consequência. Ele quer estrutura, da mesma forma que o governante, entretanto na forma de busca por soluções para situações problemáticas e difíceis. Ele quer projetar respostas para as questões mais difíceis do mundo, e ser reconhecido por isso. Seu problema, como o do sábio, é pensar muito antes de agir e projetar cada detalhe da resposta antes de entregá-la. XII) O Prestativo/Cuidador/Servo. O servo deseja conferir estrutura. É altruísta, protetor e exala compaixão. Segue a regra de outro, amando seu próximo como a si mesmo, protegendo a todos, cuidando de forma física e emocional. O grande problema com esse arquétipo é que o servo não se contenta em carregar a própria cruz, mas quer suportar todas as dores do mundo, mesmo não sendo capaz disso. Com tanto amor, ele também pode acabar sufocando quem está próximo. Outros arquétipos de caráter Para ajudá-los a fugir do clichê, vejamos alguns outros arquétipos menos comuns e mais divertidos para o caráter das nossas personagens. I) O Catalisador. É aquele personagem que, mesmo sem querer, sempre está envolvido com os acontecimentos mais importantes do mundo, mas não como herói ou príncipe, não como persona-centro. Não… O catalisador trabalha nas sombras, servindo àqueles cujos nomes ficarão, de fato, gravados na história. O problema deste arquétipo é que o catalisador encontra-se numa situação em que abre mão da própria vontade em prol de terceiros, abrindo mão de amores, ambições e desejos pela vontade de outro. Exemplo de Catalisador é Fitz Cavalaria Visionário, protagonista da “Saga do Assassino”. II) O Matador de Dragões (Dragon Slayer). Um personagem famoso na história por matar dragões, ou que é especialista em matar dragões. Eu ODEIO este tipo de larápio. Tadinhos dos meus dragões… O que eles fizeram de errado? O exemplo que consigo pensar é o Dragonborn, da série Skyrim, e o Natsu, de “Fairy Tail”. III) O Caçador de Monstros (Monster Slayer). Bom, ele caça e mata monstros e/ou criaturas sobrenaturais. É isso. Nada mais a comentar, esse é de boa. Pode ter variações, como caçador de um monstro específico, como em Goblin Slayer. IV) O Herói do Herói. É o personagem que inspira o herói a se tornar um herói. Pensem no All Might, do “Boku no Hero Academia”. É a referência positiva, ponto primordial, que inspira nossos personagens mais inspiradores. V) O Bombado Idiota. Esse é clássico. Pensem no Brutus, do “Marinheiro Popeye”. É basicamente um brutamontes movido a testo, dura e deca. A ausência de qualquer destes e de treino adequado pode fazê-los virar verdadeiras máquinas mortíferas. Mas não contem com eles para formular estratégias. A única estratégia é deitar na porrada. VI) O Mestre dos Magos. Bom, neste aqui o que vigora é a sabedoria extrema, expressa através de falas dúbias e confusas, com significado aberto e polissémico. Ó, céus, não poderiam o mestre dos magos estudar um pouco de denotação, clareza e coesão? Enfim, fora isso, ele é realmente muito poderoso. Lembrem do mago lá em cima, multipliquem por dez e shazam, terás o poder do mestre dos magos. VII) A Mulher Mais Bonita do Mundo. Tá bom, eu concordo que este aqui parece bem caliente. Pero no mucho, okay? Consiste basicamente em ter na história uma personagem detentora de toda a beleza, monopolista de olhares e de bons comentários. Distribua todos os pontos possíveis em charme e tenha uma vida fácil, ou não, depende do enredo. Um exemplo bobo, mas que vocês conhecem, é a Penélope Charmosa, clássica de vários desenhos do Cartoon Network (coisa de velho, se você tem menos de quinze anos, provável que esteja se perguntando o que carambolas é um Cartoon Network). VIII) O Homem-Lobo/Lobisomem. Autoexplicativo, suponho. Trata-se de um homem que por algum motivo tem características lupinas, ou poderes do tipo, seja pelo sangue ou por magia. Recuso-me a dar exemplos que envolvam Crepúsculo, então fiquem com o Lobisomem Pidão, clássico da internet. E sim, Lobisomem Pidão se enquadra neste arquétipo. XIX) O Mentor. Trata-se do personagem responsável por deixar o protagonista fodão, ou menos fraco, pelo menos. Exemplos não faltam, praticamente toda obra tem um. O Minato foi mentor do Kakashi em “Naruto”. A Jasmine e depois a Mu Xuanyin foram mentoras do Yun Che em “Contra os Deuses”. Detalhe importante é que mentorear não se resume a cultivo ou ninjutsu, é bem mais abrangente, envolvendo conhecimentos românticos e até basquete. Usem a criatividade para criar bons mentores em suas obras. X) O Ajudante/Tenente/Imediato. É o segundo na hierarquia, o de confiança do prota. Normalmente é coadjuvante, muito embora também possa ser co-protagonista. Espécime de Sr. Spock para o Capitão Kirk, em “Jornada nas Estrelas”. Caso permitam um merchan, é também este o caso de Beto, em “Sangue do Dragão Ancestral”. XI) O Burocrata Obstrutivo (corno manso). Representa tudo o que há de pior no mundo. Procedimentos ilógicos e morosos, documentação desnecessária e requerimentos difíceis. Jamais permita que este seja seu protagonista, ou vai arranjar uma multidão de desafetos. XII) A Palerma. Já leram Tchekhov? Não?! Pois bem, esta aí representa a ingenuidade e falta de vontade de se rebelar. É a personagem lerdinha, que observa seus direitos serem tolhidos e interesses ignorados sem nada fazer. Pregue uma peça nela. Use-a como alívio cômico. Ela merece isso. Se ela decidir se rebelar, pronto, você tem um belo de um plot. Existem vários tipos de arquétipos, como vocês puderam ver. Este texto não tem condição de catalogar todos, mas tão somente dar-lhes um norte, com exemplos. Sejam criativos e curiosos, meus caros e caras. Tenho certeza que criarão personagens incríveis daqui em diante. Considerações finais Evidentemente, meu caríssimo leitor, que, apesar da pequena remissão à psicologia, nosso tema central e principal objetivo aqui, neste simplório artigo, é ajudar você na construção de personagens literários. E justamente por isto que um adendo importante a fazer sobre arquétipos é que, psicologicamente, nenhuma pessoa pode ser reduzida a uma premissa. Uma pessoa apresenta um arquétipo dominante, claro, contudo pela própria teoria junguiana essa mesma pessoa apresentará ao menos dois outros arquétipos secundários. E, sim, arquétipos são apenas premissas de comportamentos que se espera de determinada pessoa com base nos traços dominantes de seu caráter. Por isso mesmo que, tanto em termos de psicologia, quanto em termos literários, vocês não vão querer reduzir sua personagem ao arquétipo. O quão raso seria isso? Claro, haverá casos, e isso se restringe à literatura, em que um ou outro personagem figurante poderá ser resumido à premissa, pois é essa toda extensão de seu papel na obra. Mas, por favor, novamente eu lhes suplico, aficionados amantes da escrita. Como regra geral, não reduzam seus personagens aos seus arquétipos! Dito isso, agradeço a todos, desejo-lhes uma excelente aventura literária e pergunto: Qual arquétipo é o seu? Ah, e não esqueçam de conferir nossos outros conteúdos e, se tiver interesse, dar uma passadinha em nosso grupo no discord. Forte abraço!! (^w^)
- O que é começo, meio e fim.
A estrutura de texto da sua menor unidade até sua totalidade. O conceito mais básico do roteiro, é o de que, como já sabemos de forma intuitiva, histórias devem ter um início, um desenvolvimento e um final. Para tal separação, vários nomes foram propostos pelas mais diferentes estruturas de escrita, mas, no fim, todas elas se resumem a separar uma história entre começo, meio e fim. Sendo esse conceito a base de como construir um roteiro, obviamente ele se torna muito poderoso e importante na escrita. Ainda que pareça muito natural e intuitivo, entender o que é o começo, o meio e o fim, bem como compreender como executá-los, é fundamental para construir uma história realmente concisa e capaz de impactar pessoas. Então como definirmos o começo, meio e fim de forma clara? Afinal, todos tem uma noção intuitiva sobre o que essas coisas são, mas para poder usar um conceito ele precisa de uma definição simples e clara. Aqui alguns problemas começam, já que para além de estruturas macro, como o roteiro da história, ou dos atos, até mesmo parágrafos seguem essa estrutura. Sendo um conceito que abrange da menor a maior estrutura de um texto, naturalmente é impossível dar uma única definição para cada uma das três palavras. O começo de um parágrafo é diferente do começo de uma história. Mas será que essa diferença é tão grande assim? Sem dúvidas, não há como uma definição fazer jus ao quão abrangente esse modelo é, ainda é possível fazer uso de uma explicação generalista, para entender como esses conceitos afetam da menor a maior estrutura de uma história. O começo Assim, em termos gerais, para toda sua história, para um arco, para uma cena, ou até para um parágrafo, o começo é uma apresentação e uma promessa, nele é apresentado sobre o que será o futuro. Por esse ponto de vista, é onde se promete algo ao leitor o que será entregue no desenvolvimento e fim. Em um parágrafo, por exemplo, é na sua primeira frase que apresenta-se o tema desse parágrafo. Seja esse tema descrever uma casa, apenas uma porta, ou apenas mostrar a ação de pegar um celular. De qualquer forma, é fundamental para uma boa estrutura de parágrafos, que ele tenha um assunto a ser tratado, assunto esse que se define em seu começo. No entanto, às vezes uma temática é grande mais para ser abordada em apenas um parágrafo, ou simplesmente há o desejo de ter parágrafos mais curtos, para isso separa se um tópico em sub-tópicos, criando outra estrutura. Por exemplo, de volta a descrição de uma casa, é possível dividi-la entre um parágrafo sobre o tamanho, outro sobre o jardim, outro sobre a fachada. Então, novamente, cria-se uma estrutura onde há primeiro há insinuação de que a casa será descrita, começando por um tópico mais geral e permitindo que cada parágrafo adicione mais um detalhe. No último estágio do que ainda pode ser chamado de micro, estão as cenas. Obviamente, toda cena tem um começo, onde estabelece-se o local, o tempo e os personagens envolvidos. Bem como, é nesse momento que se dá o tom emocional que seguirá. No entanto, diferente de um parágrafo, que, por ser muito pequeno, não permite quebra de expectativa, vale mencionar que uma cena e todas as estruturas macro permite. Ou seja, ainda que algo seja apresentado de certa forma no começo, nada te impede de mudar no futuro, apenas é necessário ter cuidado ao fazer isso e, mais importante, nunca gerar uma quebra de expectativa acidental. Entenda o seu começo, o que precisa ser apresentado nele e seja leal a ele. Então, a junção de várias cenas levará a um ato, que naturalmente segue seu próprio começo, meio e fim. Normalmente há nas cenas iniciais dele a introdução de personagens, poderes, mundo, mas o mais importante e fundamental, há a introdução de um conflito que será o centro de todo o ato. Por fim, toda história obviamente tem seu início, porém diferente de todos os casos citados até agora, o começo de uma história deve ser um conjunto de eventos que não precisam de contexto extra para ser funcional. Óbvio, muitas vezes, ocorreram coisas antes dele, mas como ponto inicial é necessário que seja possível entender o que está havendo sem contexto prévio a ele. O fim Pulando o meio, o fim se define como resposta direta ao começo, ou seja, uma conclusão, que não é necessariamente o final de tudo, mas o fechamento de tudo aquilo que foi proposto no começo. Na menor das escalas de um texto, o parágrafo, propõe-se um tópico em seu início. Sobre isso, pode-se discorrer quanto achar necessário, limitando-se ao tamanho que preferir de parágrafo. Em livros, é comum que se abram muitas tangentes, com longos blocos de texto abordando algo; já em webnovels, é mais usual é manter os parágrafos mais curtos. De qualquer maneira, o fim é a última coisa que se tem a dizer sobre o tópico inicialmente apresentado, concluindo-o. No caso de uma cena ou estruturas mais macro, existe uma diferença na complexidade dessa conclusão. Normalmente, em um único parágrafo não são abordados conflitos emocionais, ou crescimento de personagem, mas em uma cena isso pode acontecer e em um ato isso deve acontecer. Nesse sentido, essa conclusão além de material com, por exemplo, o vilão sendo derrotado, também deve ser espiritual, com os personagens envolvidos resolvendo os conflitos internos apresentados no começo de forma coerente. Por fim, o final de toda a história segue uma ideia similar, mas em uma escala ainda maior. Nele, deve-se concluir a mensagem da obra, fechando todas as temáticas abordadas e explicando todos os mistérios. Ainda assim, não necessariamente esse é o final de tudo, o personagem principal não precisa ter resolvido todas as suas inseguranças e ascendido ao nirvana, muito menos ele precisa se tornar o mais forte do universo, basta que, ao final da história, tudo que foi apresentado em seu começo tenha uma conclusão. Toda história é um recorte de um universo muito maior e vasto que existia antes dela começar e que existirá após o seu fim, sendo que esse recorte é definido em suas extremidades pelo começo e pelo fim. Então o que conecta os dois é o meio, o recheio da trama. O meio Diferente dos dois casos que têm definições relativamente claras, o meio é o mais livre. Contando que ele consiga, de forma lógica, ligar o começo ao fim, pode-se fazer o que preferir. É nele em que a maioria dos eventos acontecem, onde há mais reflexão, onde as explicações são dadas, onde os conflitos alcançam seu ápice. Por fim, ele também é onde se apresenta tudo para convencer o leitor de que o fim é a resposta correta ao começo. Ou seja, ele é o conjunto de argumentos que sustentam a conclusão do livro. Para o meio, a mais livre das três partes, resta uma regra: ele deve se conectar logicamente com o início e o fim, de forma a tornar o fim convincente. Claro, existem muitos modelos de escrita que abordam como construir o miolo de sua história, com alguns padrões tão bons que são repetidos a séculos. Ainda assim, há vários desses modelos e sempre é possível encontrar novos meios criativos de contar esse meio. Mesmo em uma estrutura muito micro, como o parágrafo, o meio pode ter quantas informações desejar, contanto que elas estejam relacionadas ao tópico inicialmente apresentado e que não contradigam o final. Para uma cena, para um ato, ou até para toda a história, é nessa parte onde a maioria dos eventos acontecem, guiando e justificando o final. Agora vá escrever O começo é uma apresentação de conceitos, ideias e problemas, o fim é a resposta dada a isso e a conexão lógica entre os dois é chamada de meio. Com isso em mente, você precisa ir praticar. Para que consiga construir textos bem estruturados de forma mais natural, é importante que, primeiro, se force a pensar conscientemente no começo, meio e fim de tudo que produzir. Esse será um processo tedioso e trabalhoso em vários momentos, mas é necessário, porque de tanto se forçar a pensar sobre, aos poucos se tornará automático estruturar seu texto desta forma. Além do mais, não existe nada melhor para fazer na vida do que escrever, então, você que já acabou de ler esse artigo, vá escrever agora mesmo e aproveite o processo. Se houver qualquer dúvida, sinta-se livre para comentar fazendo perguntas. E boa sorte com sua futura obra.
- Melhore seu Sistema: HardMagic & Softmagic
Introdução Os termos hard e soft magic foram criados pelo autor de Mistborn, Brandan Senderson, com o intuito de classificar aspectos narrativos relacionados a magia, muito comuns em diversas obras. Esses sistemas são recorrentemente usados em histórias para dar personalidade a elas e são uma ferramenta para mover a história. Em Mistborn, por exemplo, existe a Alomancia, um tipo de poder que é adquirido por meio da ingestão de metais, e dependendo do metal, a pessoa ganha um poder diferente. A sociedade inteira do mundo de Mistborn é criada ao redor desse conceito, criando assim uma estética distópica em que as construções e o ambiente devem ser criados tendo em mente o que as pessoas desse mundo são capazes de realizar, além de demonstrar os impactos sociais causados pela existência dessa magia. Pelo nome, hard e soft, podemos distinguir suas funções. HardMagic É quando nos referimos a um sistema de magia ou poderes que é bem explicado, com razões lógicas para existir e com influência direta no mundo ao redor, dando acontecimentos concretos e perfeitamente razoáveis de acordo com o que é apresentado imposto. Vamos ao bom e velho FullMetal Alchemist, em que a magia atua de maneira igual a alquimia e tem como centro a Lei da Troca Equivalente, em que é dado algo em troca da realização da alquimia desde que tanto o que foi ofertado quanto o que é desejado possuam o mesmo valor; esse fato faz com que certas pessoas acreditem que a alquimia é algo profano e proibido, enquanto outros a tratam como ciência e buscam estudá-la para descobrir meios de se aproveitar mais de sua existência. São casos como esse que vemos o hardmagic atuando mesmo quando não é usado, porque o que importa no final das contas é sua influência ocorre igualmente no mundo em que a história se passa e no próprio desenrolar do enredo. Nós podemos assim identificar algumas peças centrais que compõe esse tipo de sistema, como: Limitações Até onde a magia consegue ir, seus limites e o que ela pode ou não pode fazer. As limitações tem como objetivo não deixar com que o sistema se expanda a coisas impossíveis, como apagar o sol ou esvaziar o oceano, tornando-o mais crível. Previsibilidade São definidas as capacidades e o que é necessário para ser feita,tornando seu resultado prevísivel, pois não há como fazer algo diferente do que o sistema permite se ele é supostamente formulaico. Custo O que é necessário para a magia ser feita. Tome como exemplo que uma pessoa precisa de uma energia X para produzir resultado Y, a energia X é o custo para que tal resultado seja produzido. O custo não é limitado a somente energia, podem ser outras coisas como componentes específicos e certas vezes o próprio cansaço físico do personagem pode ser levado em consideração. Softmagic Já aqui, a magia é considerada, literalmente, mágica, ela é uma ferramenta usada para criar misticismo e natureza fantástica na história, não abordando nenhuma especificação concreta e geralmente trabalhando como algo desconhecido na visão dos personagens. Muitos acreditam que isso pode ser algo ruim de se ter numa obra, porém ela funciona muito bem quando o foco da história não é a magia. Em histórias, precisa-se ter um número de coisas para se focar, e como hardmagic ocupa um espaço muito grande nesses focos por ter um impacto gigantesco em todas as zonas — isto é, no mundo, enredo e nos próprios personagens. —, ele muitas vezes não é possível de se encaixar na trama, então o softmagic pode acabar sendo preferível. Ela pode ter algumas características chaves, como: Misticismo O sistema não é compreensível de maneira alguma, ele é subjetivo e dá margem para filosofias e um entendimento abstrato, logo, os personagens podem ter contato com as artes místicas e por mais inteligentes que sejam, não encontram lógica naquilo. Simplicidade Por não possuir leis definidas, ele não precisa de nada tão complexo e dá muita liberdade para se produzir o que quiser em cima, abrindo possibilidades para produzir qualquer resultado desejado. (Exemplo: Black Clover) Flexibilidade Qualquer coisa pode acontecer com ele, logo, você pode arranjar janelas e espaços criativos para se usar a magia, evitando cair em partes que seriam impossíveis de se desenvolver pelo sistema já ser definido (Exemplo: Tongari Boushi no Atelier). Qual devo escolher? Ambos os sistemas possuam determinadas características, mas não quer dizer que devem seguir todas à risca. Um sistema softmagic pode não influenciar o mundo ao redor, mas ainda é parte fundamental de como a história funciona. Um exemplo seria Black Clover. A magia existe, tal como uma grande dependência dela para quase tudo na vida das pessoas, incluindo em tarefas domésticas como lavar roupa, arar o solo e etc. Em nenhum momento na obra é dito algo sobre "pessoa X tem magia Y, aí vai acontecer isso e aquilo", o autor te dá apenas uma informação relevante sobre a magia: Aqueles com maior poder mágico são os amados pela mana e a nobreza. A partir disso temos a história que conhecemos. Bem interessante, não é? Mas você deve estar se perguntando: Tá, mas por onde exatamente eu começo?? Essa é a primeira e a maior dúvida que surge na criação de um sistema de magia/poder, e na verdade é a mais fácil de responder. Primeiro de tudo, o sistema vai ser soft ou hard? Qual seria mais viável e flexível para contar sua história? Com isso respondido, podemos iniciar uma série de perguntas que vão construir o sistema desejado, lembrando que, a depender do tipo escolhido (soft ou hard), algumas das perguntas não são necessárias. Como guia, vamos nos fazer as seguintes perguntas: Qual a origem da magia? Quem pode usá-la? Como podemos invocá-la? O que ela não pode fazer? A partir disso conseguimos infinitas respostas, listamos algumas delas para te ajudar a escolher ou criar as suas próprias. Qual a origem? Magia provinda de deuses; (Shuumatsu no Walkure) Magia como energia vital; (Ki, de Dragon Ball) Magia é uma energia conectada a tudo; (Spin, de Jojo Stell Ball Run) Magia provinda de outra dimensão. (Obras de Portais em geral) Quem pode usá-la? Todo mundo? Quase todo mundo? Raças específicas? Estudiosos? Como invocá-la? Gestos; Runas; Rituais; Símbolos; Força de vontade; Movimentos; Ordens vocais. O que ela não pode fazer? Regras que proíbem seu uso; Locais e objetos que a anulam; Propriedades ganhas no uso da magia; Limites.
- Terminei o livro! O que diabos eu faço agora?
Você se esforçou. Passou dias a fio escrevendo de manhã e de madrugada, superou seus bloqueios e inseguranças e, finalmente, terminou de escrever o tão sonhado primeiro (ou único) volume da sua novel. Parabéns! Se este é o seu primeiro livro, então é provável que esteja pensando algo como “ótimo, eu terminei de escrever! E agora?” Talvez devesse procurar uma editora? Esperar e terminar o meu segundo livro postando na internet? Talvez autopublicação? Talvez tudo isso? Ou nada disso? Tenha calma, jovem escritor. Sei que ideias e mais ideias passam pelas nossas mentes em momentos como esse, mas é necessário que analisemos friamente como proceder a partir daqui, afinal: O que você faz depois de escrever um livro? Quando o livro está finalmente escrito, ele não está realmente acabado. Na verdade, escrevê-lo é apenas o começo do que precisa ser feito e, se esta é a sua primeira obra, é natural que esteja confuso. Tudo que citei até o momento são partes importantes do processo de escrita e publicação, mas você não precisa (e nem deve) fazer tudo de uma vez. De agora em diante, vamos dar uma espiadinha em quais processos devemos seguir após a escrita e o que devemos deixar para depois (ou para lá). Então relaxe e vamos, pouco a pouco, encaixar esse quebra-cabeça todo embaralhado na sua mente! O Que Não Fazer Depois de Escrever um Livro A sua tão sonhada obra está finalmente fechada. Isso mesmo! escritinha, da primeira à última palavra. É tão gratificante que você quer enviá-la a uma editora agora mesmo, e então publicá-la para ficar famoso e ganhar rios de dinheiro! Na realidade, pouquíssimos livros estão realmente bons após a finalização do primeiro rascunho. Correr para o kindle, amazon ou alguma editora para publicar o primeiro volume imediatamente pode ser um tremendo tiro no pé. Ainda temos trabalho pela frente, afinal, você revisou a sua obra? Escrever bem é reescrever quantas vezes forem necessárias. Não se dê por satisfeito com a primeira versão do seu livro. Mesmo que seja um bom rascunho, torne-o um ótimo livro. Enviar seu trabalho de forma prematura pode queimar pontes importantes para o seu desenvolvimento e crescimento como escritor. Alguns entes literários têm políticas duras de rejeição, por isso planeje bem a forma e o momento de enviá-los qualquer projeto. Revise primeiro, edite depois Grande parte das pessoas, após escrever o seu livro, imediatamente voltam direto para a primeira página. É uma verdadeira missão impossível: corrigir errinhos ortográficos, vírgulas e orações, uma por uma, até que o dicionário aurélio chore de emoção. Isso é um problema terrível, veja: Após terminar o manuscrito, a primeira coisa a ser feita deve ser procurar por erros estruturais, furos de roteiro, capítulos problemáticos e incoerências. Essas falhas precisam ser as primeiras a serem deletadas ou corrigidas. Agora imagine passar horas corrigindo a ortografia de um capítulo que será apagado depois? No melhor dos casos, você perdeu algumas horas em absolutamente nada. No pior dos casos, você será tentado a não apagar a parte problemática, pois se apegou à ela. 5 Próximos Passos Depois de Escrever um Livro Agora que já montamos a borda do quebra cabeça e aprendemos a evitar algumas breves armadilhas, vamos finalmente falar sobre o tópico que dá nome ao artigo: Terminei o livro! O que diabos eu faço agora? Deixe O Livro Dormir Não só o escritor precisa de algum descanso, mas a escrita também. Isso ocorre pois, depois de terminar de escrever, você não tem ampla noção daquilo que é bom, ruim ou questionável. Daquilo que precisa de trabalho ou que já está bom Deixar a obra distante por algumas semanas, até mesmo um mês, dá a você tempo para recuperar a perspectiva e conseguir enxergar o livro como ele de fato é. Ah, mas não se esqueça: deixar o atual volume de lado não significa parar de escrever e evoluir como escritor. Saia, caminhe, reflita sobre novas obras ou contos curtos. Utilize este tempo para se aprimorar e continue escrevendo. Mantenha hábitos relacionados à escrita e, quando finalmente voltar aos trabalhos, observe seu livro por inteiro com a mente clara e os olhos atentos. Não escreva, leia! Antes de começar a editar partes soltas, leia o livro de ponta a ponta. Mesmo que pareça trabalhoso e demorado, acredite, não é! Ajustar lacunas criadas por uma correção imprecisa ou embaralhar os neurônios por ter bagunçado uma sequência importante de eventos te sugaria dezenas de horas. Por isso, leia e se atente à sua própria escrita, para que veja exatamente o que precisará ajeitar no próximo rascunho. É interessantes que se faça algumas perguntas enquanto lê, tais como: O que está faltando? O que é excessivo? O que precisa ser reescrito? É sempre interessante o quão empolgados ficamos, esperando o que vamos encontrar. Sonhe Quando acabar a segunda tarefa, ficará impressionado com o quão boas são algumas seções. E com o quão ruins as outras são. Mas principalmente, com o quão diferentes todas elas são daquilo que você tinha em mente no inicio. Mas não se decepcione, sonhe. O que livro pode se tornar? Como você pode transformá-lo em algo novo? É mágico sonhar enquanto escreve e ver como as projeções se modificam com o passar das palavras. Não tenha medo de imaginar e sonhar, mas não se assuste com as diferenças para a escrita real. Hora de polir a estrutura Imagine que seu texto é uma pequena estátua artesanal. É claro que, em algumas seções, haverá barro a ser retirado e, em outras, barro a ser remodelado. Você já tem uma visão boa o suficiente de como realmente a sua história é e qual o caminho para o qual deseja encaminhá-la, então está preparado para partir para o segundo rascunho. É hora de deletar aquelas linhas, páginas ou capítulos desnecessários e de preencher as lacunas da sua história. Reescreva com atenção as partes que continuam necessárias para o andamento da trama, mas continham problemas. Antes do polimento e da edição, é importante que as bases estruturais do manuscrito estejam firmes e sólidas. Dependendo do quão confortável estiver, é possível partir para uma autoedição (isso é: editar o próprio escrito). Mas caso não tenha certeza (e é raro que tenhamos, principalmente na primeira publicação) não tenha medo de procurar um bom editor para te auxiliar, a Novel Brasil pode te ajudar com isso! Peça Ajuda Agora sim! Depois de rascunhar duas ou três vezes, é o momento de começarmos a chamar outras pessoas para ajudar na produção, sejam elas editores, revisores ou leitores beta. Para passarmos com maestria dessa fase, precisaremos entender que o seu livro não é você. Utilize as críticas daqueles que se propuserem a auxiliar como combustíveis para melhorar ainda mais a sua escrita. Então, depois de passar por todos os passos acima (e encontrar aqueles malditos errinhos de digitação que a gente sempre perde), seu livro finalmente está pronto para a publicação! Quando Seu Livro Estiver Realmente Pronto Boom! O quebra cabeça está finalmente montado. Sente sua cabeça menos embaralhada, jovem escritor? Pois eu sinto! De qualquer modo, não é uma tarefa fácil identificar em qual momento o volume estará totalmente finalizado, e é por isso que é tão importante encontrar comunidades de escritores que possam te auxiliar e revisar não um, não dois, mas pelo menos três rascunhos produzidos, como a Novel Brasil! Somente então, ao término de toda a trilha apresentada, é que você deve finalmente fixar seus olhos em um meio de publicação, que contém alguns desafios a mais. Passamos, assim, pela parte mais difícil de escrever um livro. Por mais que a primeira versão seja realizadora e bastante complexa, a edição é bem mais difícil. E tenha calma, não estou tentando te desanimar! É neste processo que você acompanhará aquilo que criou finalmente se tornando um livro de verdade. Por isso, se mantenha focado. E se (ou melhor, quando) postar o seu livro, não deixe de avisar nos comentários. Boa sorte, escritor!